quarta-feira, 30 de março de 2016

[HQlist] Detetives

Um dos seguimentos mais tradicionais dos quadrinhos, as histórias de detetives tratam-se de um filão que ainda não chegou ao esgotamento. Assim como na literatura policial contamos com grandes personagens como Hercule Poirot (criação de Agatha Cristie) e Detetive Maigret (de George Simenon), nas HQs também temos grandes detetives, de facetas tão díspares e interessantes que vale fazer uma lista mencionando alguns deles.


Wesley Dodds e seu alter ego, Sandman, é um dos personagens mais antigos da DC Comics, tendo estreado na revista Adventure Comics #40 de julho de 1939, ou seja, muito tempo antes de Neil Gaiman criar ao lado Sam Kieth o personagem de mesmo nome, mas com essência diferente. O Sandman da Era de Ouro, como é também conhecido, é um misterioso detetive que usa máscara e arma de gás enquanto está em ação, uma vez que prefere colocar seus algozes para dormir ao invés de entrar em combate direto. O personagem somente se tornou conhecido atualmente em razão da série Sandman Teatro do Mistério escrita por Matt Wagner no selo Vertigo durante os anos 90. Em sua versão moderna, Dodds é um cara comum, valendo-se apenas de seu intelecto, coragem e da arma de gás durante suas investigações.


Para muitos ele é o mais famoso detetive dos quadrinhos. Certamente ele é um dos mais antigos. Dick Tracy foi criado em 1931 por Chester Gould nas página do jornal Chicago Tribune, de onde se proliferou para mais de 800 jornais ao redor do mundo, atingindo uma marca aproximada de 150 milhões de leitores. Dick Tracy ostenta todas as qualidade pelas quais os detetives hoje são reconhecidos: inteligência acima do comum, sofisticada perícia com armas e habilidoso no combate corpo a corpo. Sem falar no visual, com seu sobretudo e chapéu amarelos que marcaram época. O sucesso do personagem atravessou gerações e hoje é tido como um dos ícones da cultura pop americana. A série durou até 1977.



Rivalizando com Sandman Teatro de Mistérios na característica ambientação noir está Blacksad. Criação de Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido, Blacksad se encaixaria perfeitamente dentro do esteriótipo de detetive particular, se não fosse por uma peculiaridade: possuir a forma antropomorfizada de um gato. Essa é marca registrada da obra dos autores espanhóis, que prezam pelo apurado vigor artístico de seu roteiro (Canales) e da arte (Guarnido). Atualmente, Blacksad protagonizou cinco álbuns, sendo apenas os dois primeiros lançados no Brasil (pela Panini).



Dylan Dog é o detetive do sobrenatural e é provavelmente o que mais recebe casos bizarros dentre os integrantes dessa lista. Seus clientes querem geralmente se livrar de uma assombração que os persegue ou se livrar de alguma maldição de que não consegue se livrar. Trata-se de um dos personagens mais famosos da Bonelli Editore, tanto que em 2011 foi adaptado para os cinemas, sem, infelizmente, ter atingido a qualidade esperada. Dylan Dog é uma criação de Tiziano Sclavi.


Esse detetive dispensa maiores apresentações. Embora seu perfil detetivesco esteja meio em baixa, ele nunca deixou de existir em suas histórias, ainda que tangencialmente. Dotado de extrema inteligência e preparo físico, Bruce Wayne ainda possui de recursos financeiros quase ilimitados para se equipar das mais diversas quinquilharias, que aparentemente não possui nenhuma utilidade, não até Batman se valer nelas num preciso momento e lugar. Durante a Era de Ouro e Prata dos quadrinhos, Batman era, de fato, um detetive. Suas tramas era focadas nesse aspecto. Somente com a ascensão da Marvel e do conceito de super-heroísmo pelos qual conhecemos hoje é que Batman mudou.

sexta-feira, 18 de março de 2016

"A Máquina de Goldberg" retrata drama do bullying na adolescência


Sabe aquelas geringonças mirabolantes construídas para realizar um simples ato, passando por uma infinidade de estágios conectados entre si, podendo incluir desde um gato se espreguiçando até o acionamento de uma ampulheta? Então, esse sistema é conhecido como máquina de Goldberg e é de importância central para o quadrinho de mesmo nome escrito pela jornalista Vanessa Barbara e pelo ilustrador Fido Nesti.

A obra conta o típico drama de um adolescente que sofre bullying. O alvo das gozações é Getúlio, que parece incorporar todas aquelas clássicas característica de um garoto impopular. O seu suplício aumenta quando ele e sua turma de colégio vão passar uma temporada num acampamento de verão, ironicamente chamado de "Montanha Feliz". Lá ele é posto em várias situações constrangedoras que agravam sua situação. 

Foi com o zelador do acampamento que Getúlio conhece os aparatos que dão nome ao álbum. Para que simplificar uma ação se podemos complicá-la? O singelo ato de fechar uma porta se transforma em um processo de 17 estágios, que inclui um fole-assoprador inflando uma bexiga, fazendo que a bola que se repousava sobre ela seja lançado sobre uma canaleta... e assim vai, até a porta ser finalmente fechada. Quanto mais complexo e demorado for a sequência de atos, maior a façanha de seu criador. 

Essa peculiar forma de fazer as coisas foi uma criação do engenheiro e artista-plástico Rube Goldberg. Mais do que construir tais geringonças, Goldberg criou uma filosofia de vida. Uma vingança bem aplicada é aquela melhor elaborada, minuciosamente construída de maneira do resultado ser inevitável. Vemos claramente isso dentro da trama. Getúlio não verá tais máquinas como um mero escapismo para a perseguição que sofre, mas como uma ferramenta para combatê-la, uma esperança. 

Vanessa Barbara é uma proeminente escritora brasileira que já lançou alguns livros muito interessantes, como O Livro Amarelo do Terminal (seu primeiro grande trabalho, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti de Reportagem), além de ser colunista da Estado de S. Paulo. Particularmente, sou muito fã do seu estilo de escrita. Seus textos quase sempre revelam o seu grande poder de observação, e ela sempre procura lançar uma visão curiosa do fenômeno retratado. Também vemos isso muito bem ao longo da trama. 

Fido Nesti divide a autoria da obra com Vanessa e é o responsável pela arte do álbum. Seus trabalhos incluem ilustrações para diversos veículos de comunicação brasileiros e estrangeiros e para obras como Lusíadas em quadrinhos (Peirópolis, 2006) e Loucas de Amor em quadrinhos (Ideias a Granel, 2009). 

Na presente obra, apesar dos desenhos estarem bem bacanas, não gostei do tom monocromático (levemente esverdeado). Além disso, creio que a opção de contar a história por meio de quadros menores, simetricamente divididos, fazendo pouco uso de tomadas panorâmicas, tenha deixado o ritmo de leitura pouco dinâmico. Talvez a limitação no número de páginas justifique o modelo adotado. Todavia, não se trata de algo que especialmente comprometa a obra.

Artigo originalmente publicado no Pipoca e Nanquim

A Máquina de Goldberg
*** 6,0
Quadrinhos na Cia. | novembro de 2012
Roteiro: Vanessa Barbara
Arte: Fido Nesti

sexta-feira, 11 de março de 2016

Eu li... Astro City Vol. 2 - Confissão

Astro City II #4-9 e 1/2 | Wildstorm (1996-1997) | Panini (set/2015) | Roteiro Kurt Busiek Arte Brent Anderson Arte-final Will Blyberg Cores Alex Sinclair

Astro City pode ser lido com pouco (ou nenhum) apego a continuidade, de forma que os arcos da série acontecem independentemente dos eventos das edições anteriores. Por isso, mesmo que você tenha perdido o primeiro encadernado Vida na Cidade Grande, você pode ler Confissão sem nenhum problema. Nessa história, vemos a trajetória de um clássico sidekick, bem à moda consagrada de Robin, só que mais questionador e incerto sobre seu papel no mundo. Busiek e Anderson diferenciam os seus personagens de seus congêneres, tornando-os profundos e diferenciados. Contar clássicas histórias de super-heróis sob uma perspectiva mais humana talvez seja um dos maiores méritos do quadrinho.

domingo, 6 de março de 2016

A arte de Sale e Stewart salta os olhos em "Cidade Eterna"


Na continuação dos eventos dos célebres arcos O Longo Dia das Bruxas Vitória Sombria, a dupla Jeph Loeb e Tim Sale novamente se junta para produzir essa minissérie em seis edições sobre a femme fatale de Batman. Apesar de não ser continuação direta dos eventos citados, Cidade Eterna retoma algumas pontas deixadas anteriormente e explora a busca de Selina Kyle sobre informações sobre seu passado.

No entanto, a história é facilmente apreensível pelo leitor ocasional, pois não exige grandes conhecimentos sobre cronologia, apesar de várias referências estarem presentes. Loeb nos trouxe aqui uma história divertida e interessante, acessível para quase todos os gostos. A história se inicia mostrando Selina Kyle desembarcando em Roma em companhia do Charada. A razão dos dois estarem juntos não são prontamente revelados, instigando a curiosidade do leitor. Vemos que Selina tem assuntos pendentes com a máfia italiana, pois o chefão do lugar tem muito a saber sobre a máfia de Gotham.

Esses acontecimentos são apresentados de uma forma bastante agradável e natural. Por mais que muita gente tenha bastante reserva em relação a Jeph Loeb, tem que se reconhecer que em Cidade Eterna ele foi muito hábil no que tange ao formato narrativo adotado. Aqui, a maior parte da ação está acompanhada da narração em terceira pessoa de Selina, permitindo uma abrangente compreensão e contextualização das cenas. Em certos momentos, o que poderia ser uma enfadonha cena, se torna algo cheio de significado. Nada foge do poder de observação e ironia da Mulher-Gato.

A arte merece considerações a parte. O resultado alcançado pela arte de Tim Sale e pela colorização de Dave Stewart é deslumbrante. A minissérie merece uma segunda leitura justamente em razão da arte diferenciada que permeia a obra. Por isso mesmo, ela preza por quadros maiores, por tomadas mais amplas, de forma que a história se escorasse de sobremaneira nas imagens. Sale não decepcionou nesse atributo. Além dos desenhos, a arte não seria a mesma sem as cores de Stewart, que se apoiou bastante nos efeitos de aquarela sobre os tons de cinza de Sale. 

Pode-se dizer, ao final, que Cidade Eterna foi um dos melhores quadrinhos de herói que tive o prazer de ler recentemente. Vale pela aventura (que apesar de enrolar um pouco, diverte muito), vale pela arte sob a batuta de Sale e Stewart.

Mulher-Gato: Cidade Eterna
Catwoman: When in Rome
***** 8,5
DC | novembro de 2004 a agosto de 2005
Panini Books | julho de 2012
Roteiro: Jeph Loeb
Arte: Tim Sale
Cores: Dave Stewart

quinta-feira, 3 de março de 2016

Eu li... Batman/Planetary: Noite Sobre a Terra

Planetary/Batman: Night on Earth | DC (ago/2003) | Panini (set/ 2015) | Roteiro Warren Ellis | Arte John Cassaday | Cores David Baron

Tinha como dar errado? Chamar Ellis e Cassaday para trazer Batman para o universo maluco e, ao mesmo tempo, familiar de Planetary só podia resultar num quadrinho fantástico. O espírito metalinguístico e autorreferencial da revista regular está todo aqui, só que dessa vez a dupla criativa tem 48 páginas só para se concentrar num dos maiores ícones da cultura pop do planeta: Batman. Desfilam pelas páginas da HQ várias versões do Cruzado Encapuzado através das décadas, de forma que temos a oportunidade de apreciar Cassaday (que já é um mestre) emulando a arte e o estilo de grandes artistas que desenharam o herói no passado, como Bob Kane, Carmine Infantino, Neal Adams, Dick Giordano, Frank Miller e Alex Ross.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Will Eisner foi figura central no movimento de fazer quadrinhos mais sérios e adultos


Se você tem algum conhecimento sobre a trajetória das histórias em quadrinhos através do tempo, certamente já deve se ter deparado com a informação de que Will Eisner, com a sua obra Um Contrato com Deus e Outras História de Cortiço, inaugurou a tradição das graphic novels. Aqui o termo é encarado como uma espécie de marco da transformação das HQ's de algo predominantemente voltado às crianças em algo de relevância artística. Seria como se os quadrinhos tivessem saído da adolescência e atingido a idade adulta e ganhado maturidade. 

Hoje, já se contesta muito se foi Eisner mesmo quem deu origem às narrativas gráficas, sobretudo se tivermos em vista o cenário dos quadrinhos europeus com a revista A Suivre e sua proposta de "bande dessinée adulte". Independentemente disso, é certo que Eisner inegavelmente foi um dos principais vetores do movimento graphic novel ao estampar essa expressão na capa de seu Um Contrato Com Deus, mesmo que ele não tenha alcançado a época grande sucesso. E esse tardio sucesso da obra se deve, pelo menos em parte, ao total desconhecimento da livrarias quanto ao material que tinham em mãos. Até que descobrissem, a obra foi alocado em seções tão díspares quanto literatura religiosa e publicações humorísticas

A obra consiste em quatro contos independentes que compartilham o mesmo ambiente: a Avenida Droopsie. Aliás, se levarmos em conta a ambientação, essa obra viria a formar uma trilogia com outras duas A Força da Vida (1988) e Avenida Droopsie: A Vizinhança (1995), que também se passam na mencionada avenida. Em todas elas, os becos e cortiços do lugar constituem um personagem autônomo, tão desenvolvido e profundo como qualquer outro. Mas em O Contrato com Deus o foco no ambiente é menor e Eisner centraliza suas atenções no elemento humano.

No conto "Um Contrato com Deus" acompanhamos a história de Frimme Hersh, cuja fé foi totalmente destruída por causa da morte de sua filha, pois Deus teria descumprido um contrato firmado com ele quando ele ainda era jovem. Enquanto Hersh dedicaria a sua vida para fazer o bem, Deus precisaria protegê-lo de todo o mal. Mas a tragédia com sua filha fez dele outra pessoa, transformando-o em uma pessoa amarga e aproveitadora. Esse novo estilo de vida fez dele um magnata, com dinheiro suficiente para prometer uma grande monta de dinheiro para uma sinagoga, em troco de os rabinos forjassem um novo contrato dele com Deus, dessa vez com a benção "oficial".

O que poucos sabem é que essa história é quase autobiográfica. Eisner a escreveu como uma forma de exorcizar os seus próprios demônios internos, uma vez que sua única filha morreu de leucemia aos 16 anos. Para ele, o conto serviu com uma forma de eliminar a "raiva contra uma divindade que eu acreditava que havia violado a minha fé" (CHUMACHER, Michael. Will Eisner: um sonhador nos quadrinhos. São Paulo: Globo, 2013).

Artisticamente, pode se escrever muito sobre o que representou a obra para os quadrinhos em geral. Para fins desse singelo texto, enfatizo a intenção de Eisner dar o máximo de unidade entre texto e imagem. Para tanto, empreendeu várias medidas como fazer muito uso de quadros sem borda, texto pendurado no próprio cenário (fazendo menos uso de balões), além de dispensar a colorização, fazendo com que texto e imagem tivessem a mesma identificação visual (reforçando a unicidade entre tais elementos). Para maiores informações sobre essa obra que é uma das mais fundamentais dos quadrinhos, recomendo fortemente a leitura do livro Will Eisner: um sonhador em quadrinhos, de Michael Chumacher.

Um Contrato com Deus e Outras Histórias de Cortiço
A Contract with God and Other Tenement Stories
***** 10
Baronet Books | outubro de 1978
Devir | maio de 2007
Roteiro e Arte: Will Eisner

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Eu li... Hulk Contra o Mundo

World War Hulk #1-5 | Marvel (2007-2008) | Salvat (nov/2014) | Roteiro Greg Pak | Arte John Romita Jr. | Arte-final Klaus Janson | Cores Christina Strain

Hulk Contra o Mundo é a continuação direta da aclamada Planeta Hulk, que contou a saga do Gigante Esmeralda após ser exilado no planeta Skaar, quando passou da condição de escravo a rei. Claro que o seu retorno à Terra não deixaria de ser publicado com pompa. Afinal, nunca o herói esteve tão furioso. Paradoxalmente, apesar de todo ódio que nutria por aqueles que o exilaram, Hulk nunca esteve tão seguro de seus atos. Toda a destruição que ele causa foi friamente pensada. E é sobre esse aparente contradição (e também sobre incontáveis batalhas e explosões) que Pak construiu sua história. Embora a HQ seja um marco importante na cronologia de Hulk, ela oferece pouco mais do que uma leitura descompromissada.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Apesar do bom argumento, Millar peca pela falta de sutileza


Chamado no Brasil de Túnel do Tempo, Elseworlds é o selo que a DC colocava nas suas publicações que não eram alinhadas com a cronologia oficial da editora. Hoje em dia ela caiu em desuso. Foi no final dos anos 90 e início dos anos 2000 que ela teve o seu auge com obras clássicas como Gothan City 1889, Liga da Justiça - O Prego e Robin 3000. Superman - Entre a Foice e o Martelo lançado em 2003 nos EUA em três edições é outra obra de sucesso desse selo e muito ansiada pelos leitores brasileiros, que desde 2006 não a vê sendo publicada por aqui.

A força da obra começa pela sua premissa: como seria o mundo se, ao invés de ter caído nos EUA, Superman tivesse caído no território da União Soviética em plena Guerra Fria. Mark Millar então erige do zero a sua versão do homem de aço soviético, bem como todas as implicações a partir desse fato. Mas não fica só nisso, Millar também se preocupa em dar sua versão para diversos outros heróis e vilões DC a partir desse paradigma. Por trás desse plot, fica subentendido a centralidade que Superman exerce em todos os heróis da editora, como se todos gravitassem ao redor de sua influência. Isso reforça a fama do Azulão como o primeiro herói, uma vez que alterar suas origens acarreta mudanças profundas em todos os outros personagens da casa.

Vemos aqui não só o nascimento de um Superman muito mais político que o original, que se vê (ainda que a contragosto) no comando da nação. Assim vemos também o nascimento de um Batman soviético, idealizado para combater o totalitarismo do regime; de uma Mulher-Maravilha, inicialmente engajada no plano de pacificar o globo sob a batuta de Superman, mas que se transforma numa das maiores críticas do regime; e de um Lanterna Verde, comprometido com o plano de Lex Luthor em finalmente vencer a ameaça do herói de vermelho. Lex Luthor, aliás, é o grande contraponto do suposto heroísmo praticado pelo Homem de Aço. Ele aqui continua fazendo as vezes de vilão, mas seu comprometimento em derrubar o sonho megalomaníaco de controlar tudo e a todos consegue uma certa simpatia do leitor, que anseia pelos confrontos entre Lex e Kal-El.

O grande problema da obra, apesar das diversas boas sacadas que a permeiam do começo ao fim, é a falta de sutileza de Mark Millar no texto. Sua escrita é pesada e, de certa forma, espalhafatosa demais. Falta um refinamento em desenvolver os conceitos trazidos a baila e que os deixariam muito melhores. Lex, por exemplo, tem que a todo tempo ser um canalha completo, afinal ele é um vilão e precisa fazer maldades. Para demonstrar sua inteligência acima da média, Lex sempre fala que está jogando xadrez com 7 pessoas diferentes ao mesmo tempo e lê cinco livros numa manhã. Superman é um sujeito controlador, por isso Millar precisava deixar isso escancarado na cara de todos ao mostrar pessoas controladas mentalmente por um aparelho cravado no meio do crânio.

Vez ou outra, esse artifício passa até despercebido, mas ver isso sendo feito a todo momento me cansou um pouco. Pelo menos, Millar não exagerou nos clichês históricos sobre a Guerra Fria e retratou o lado soviético com justeza, sem cair na armadilha de glorificar o lado americano e esculachar o modelo soviético. É um tema até hoje espinhoso e tratá-lo sem cometer excessos exige certa habilidade.

Superman - Entre a Foice e o Martelo
Superman Red Son #1-3
**** 8,0
DC | agosto a outubro de 2003
Panini | junho de 2006
Roteiro: Mark Millar
Arte: Dave Johnson e Kilian Plunkett
Arte-final: Andrew C. Robinson e Walden Wong

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Eu li... Violent Cases

Titan Books (out/1987) | Aleph (set/2014) | Roteiro Neil Gaiman | Arte Dave McKean

É uma leitura curta, mas Violent Cases é o que podemos convencionar chamar de obra densa. Quem não ficou pelo menos tentando em ler a obra uma segunda vez talvez não tenha percebido a profundidade da obra de Gaiman e McKean. O que mais impressiona nesse trabalho da dupla é o toque de simplicidade. Não se trata de uma história mirabolante ou extraordinária. Trata-se das memórias da infância de um garoto comum diante de um acontecimento excitante, cuja real dimensão foi compreendida apenas muito tempo depois. A arte de McKean é perfeita para transmitir essa ambientação incerta, dúbia e volátil inerente à memória. Sem ela, talvez o resultado pretendido por Gaiman não tivesse sido alcançado.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Inédita no Brasil, "A History of Violence" expõe nossa fragilidade diante da violência


Na época do lançamento do filme Marcas de Violência, de David Cronenberg, eu não fazia ideia de que se tratava de uma adaptação de um quadrinho. Nem mesmo o diretor fazia ideia disso, pelo menos não até o longa receber uma indicação ao Oscar de melhor roteiro adaptado. Esse desconhecimento é bastante compreensível no Brasil, já que a obra de John Wagner (Juiz Dredd) e Vince Locke (Sandman) nunca foi aqui lançada, ao contrário de outra obra do selo Paradox também adaptada com sucesso para o cinema, Estrada da Perdição, lançada por aqui pela editora Via Lettera.

A History of Violence conta a história de Tom McKenna, um pacato dono de uma lanchonete cuja rotina é alterada drasticamente após impedir com as próprias mãos que seu comércio fosse assaltado, matando um dos bandidos e rendendo o outro. Devido a exposição do caso pela mídia, ele é reconhecido por membros da máfia de Nova York como um antigo desafeto, cujas contas ainda estão para serem acertadas.

O quadrinhos aborda bem, pelo menos no início, o quanto estamos sujeitos a ter nossas vidas transformadas do dia pela noite por eventos tão extraordinários, quanto aleatórios. Nenhum de nós está seguro suficiente para afirmar estar livre de situações bizarras como a que Tom McKenna se meteu. A introdução de John Wagner para a edição aborda justamente esse aspecto da trama: pessoas comuns apanhadas em situações extraordinárias. Ninguém está a salvo, e esse é o preço de se viver em uma sociedade tão violenta quanto a nossa.

Já a segunda parte da trama foca no elemento violência, mais precisamente nessa cadeia de atos violentos que une as mais variadas pessoas, inclusive através dos tempos. Wagner retrata esse mal como uma espécie de vírus, que passa de pessoa para pessoa e nunca para. Essa é a história de violência, algo que transcende o tempo, ao ponto de se tornar elementos formador de uma sociedade. Uma vez que você se permite ser parte agente dessa história de violência, ela vai persegui-lo pela vida toda, por mais que você sinta livre de sua influência.

O filme de Cronenberg segue outros rumos se comparado com a HQ que o inspirou, por isso, se você viu o filme, não deixe de ler a HQ. Se no filme vemos uma trama mais focada na família do protagonista, esmiuçando os reflexos dessa tragédia entre seus membros, o quadrinho preferiu trabalhar mais no embate entre McKenna e os mafiosos que buscam vingança. Mas, talvez o mais importante, leia para apreciar a fantástica arte de Vince Locke.

A History of Violence
***** 9,0
Paradox | maio de 1997
Roteiro: John Wagner
Arte: Vince Locke