sábado, 27 de dezembro de 2014

Embora historicamente negligenciado no Brasil, Concreto merece atenção do leitor

Concreto - Uma Rocha Entre Rochas - Devir

Ao largo do domínio da Marvel e DC na indústria dos quadrinhos no final dos anos 80, a recém-criada Dark Horse surgiu como opção a esse eixo mopolizador ao oferecer espaço para obras de grande vigor artístico. Esse vigor se deu com obras dos próprios criadores empregados pelas majors, que não encontravam nessas editoras liberdade criativa suficiente para dar vazão aos seus anseios, numa estratégia semelhante ao que faz a Image atualmente. Na época, a Dark Horse veio tentar suprir esse vácuo na indústria ao dar espaço para astros como Frank Miller, Dave Gibbons, Mike Mignola e John Bryne. 

Um dos primeiros (e um dos melhores) frutos dessa iniciativa foi Concreto, obra seminal de Paul Chadwick sobre o gentil e poderoso gigante de pedra que quer usar de sua capacidade para explorar o mundo. Inicialmente, a obra saiu em meio a consagrada antologia Dark Horse Presents e depois em revistas avulsas. Foi compilando os quatro primeiros números da publicação avulsa que em 2004 a Devir lançou Concreto - Uma Rocha Entre Rochas.

É surpreendente como a série é negligenciada pelas editoras brasileiras. O lançamento da Devir foi somente a terceira vez que a série chega ao Brasil. Antes, havia sido lançada somente uma edição pela Best News em 1990 e uma mini em três edições pela Toviassú (durante a sua breve existência). Mais recentemente, a HQM voltou com Concreto, em sua nova fase (colorida), na sua revista Dark Horse Apresenta, que apesar de irregular na periodicidade, apresenta qualidade artística e gráfica diferenciada quanto ao que ordinariamente sai nas bancas por aí.

Apesar das muitas semelhanças estéticas com os quadrinhos de super-herói, sobretudo com o personagem Coisa do Quarteto Fantático, Concreto subverte os conceitos do gênero e apresenta uma história, se não totalmente alheio a trama de ficção científica, que está muito mais preocupada em explorar as implicações filosóficas de suas aventuras. Foge, portanto, de tramas sobre aliens, guerras, política, apesar de tudo isso servir como pano de fundo.

Concreto é uma pessoa solícita, calma e caridosa, completamente ao avesso que sua aparência denota. O leitor começa a acompanhar as aventuras de Concreto sem saber sobre a sua verdadeira origem. Chadwick preferiu que primeiro o leitor se afeiçoasse ao personagem, explorando as óbvias perguntas que surgiriam sobre como aquele sujeito gentil poderia se tornar o que é, para somente depois, em flashback, contar a gênese do personagem. Ao final, a aparência de Concreto se torna o de menos, como se ela fosse abstraída frente a sua fabulosa personalidade.

Concreto - Uma Rocha Entre Rochas
Concrete #1-4
***** 9,0
Dark Horse | 1986
Conrad | 2004
Roteiro e arte: Paul Chadwick

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Os Melhores Quadrinhos de 2014 - Melhores capistas, edições avulsas e arcos


Chegamos à última parte da seleção dos melhores de 2014 do blog! Falaremos agora dos melhores capistas, melhores edições únicas e dos melhores arcos. 

Fazer capas de quadrinhos é uma peculiar e muito diferente de fazer as internas. O ofício exige uma especial inspiração do artista, de forma a apreender a história contada em seu interior, sem contudo revelar detalhes reveladores. A arte precisa ser reflexiva, interessante e curiosa. Quanto mais esse elementos se harmonizarem, melhor o trabalho fica. Mas alguns artistas empregam especial originalidade em suas composições, empregando em suas capas não apenas um sentido prefacial, mas também suplementar.

Melhores capistas

John Cassaday realizou isso como poucos em seu trabalho em Planetary. Todas as capas da obra são tão cheias de significado que é impensável pensar uma sem a outra. Cassaday abraçou com vigor a ideia de viagem pela cultura pop do século 20 em suas composições, ao passo que ora homenageiam os quadrinhos pulp (Doc Savage), ora as histórias de aventura do início do século 20 (Tarzan, Cavaleiro Solitário), bem como filmes de ação, ficção-científica (Matrix e 2001), e tantas outras referências que não fui capaz de identificar.

Completando o trio temos Jock, pelo seu trabalho em Escalpo (cuja publicação foi concluída esse ano pela finada mensal Vertigo), e David Aja (de Hawkeye). Ambos se valem de técnicas diferentes para composição de suas páginas, uma vez que, em razão de se tratarem de títulos bastante diferentes entre si, é evidente que enquanto um de vale de cores claras, com predominância do branco e vermelho (no caso de Aja), outro precisou criar um ambiente mais sombrio e decadente, onde se predomina a escala de cinza e vermelho. Jock foi além do óbvio em suas capas, de modo que continuamente convidava o leitor à reflexão. As capas de David Aja, por sua vez, possuem um design moderno e audacioso, coisa incomum nos quadrinhos de super-herói, em que privar as capas do personagem principal é algo impensável.






Melhores edições únicas

Acho que há pouca coisa mais revigorantes no costume de ler quadrinhos do que terminar de ler uma edição e ter vontade de dizer: "Uau, isso foi legal!". A satisfação de ler uma ótima história curta, ainda que dentro de um título regular, é maior do que ler um bom título mas que em nenhum momento empolga de verdade. Pode ser que a edição depois fique um horror, mas aquela experiência de ler algo realmente bom é insubstituível e, talvez, pode salvar toda uma série de histórias ruins.

Esse ano eu li muita coisa boa. Histórias que certamente merecem ser referenciadas, e que provavelmente foram (é só acompanhar nossos reviews). Mas dentre essas histórias, certamente, uma das que mais me marcou foi Abraço, de Neil Gaiman e Dave McKean, publicada em Hellblazer #27. Nessa história fechada - que eu li em Dias de Meia-Noite (que saiu pela Panini ano passado) mas que também consta no volume 5 de Hellblazer Origens -, Constantine se depara com a manifestação sobrenatural de uma das necessidades mais humanas que existe: o afeto. É uma das aquelas histórias que terminam com um soco no estômago do leitor. Algo como: lide com isso, agora.

No prefácio de Gaiman para a história, que está presente em Dias de Meia-Noite, ele reconhece que se trata de uma de suas obras favoritas, que ele mais tem orgulho de ter participado. Junto com a arte de McKean e as cores de Danny Vozzo (que também trabalhou em Sandman), a obra ficou definitivamente única.



Também foi destaque em 2014, não só na minha lista de leitura pelo jeito, Hawkeye #11, Pizza is my Business, que levou o Eisner de melhor edição única esse ano. Por incrível que pareça, o personagem principal não foi o Gavião Arqueiro, mas sim seu cachorro, Lucky (Sortudo), resgatado pelo herói dos maus tratos que ele sofria da máfia russa. É sempre bom quando existe uma sinergia entre roteirista e artista, de forma que ambos os fundamentos alcancem a excelência. Com Matt Franction e David Aja ocorreu assim.

Ramadã, publicada originalmente em Sandman #50, fecha essa lista. Bagdá nunca foi tão lindamente retratada na ficção como Neil Gaiman e P. Craig Russell fizeram, fazendo jus a fama de que Bagdá talvez tenha sido a cidade mais linda já construída ao longo da história. Ramadã mistura quadrinhos, literatura, história de maneira incrível. Quase não dá pra perceber as quase 50 páginas de leitura. Ao final, sobra um gosto amargo, ao refletir sobre a situação atual do Iraque.

Melhores arcos

Sim. Já está batido eleger Sandman pra tudo. Mas não há como negar que o volume 3 da edição definitiva da obra lançado pela Panini compila o ponto alto da série, que já é ótima praticamente em todas as edições. Ainda me falta concluir a obra (o volume quatro já está quase tendo a sua vez em meio a minha pilha de leitura), mas já dá pra afirmar que Vidas Breves elevou ainda mais a qualidade da série. Colocando um toque de drama familiar no relacionamento entre os Perpétuos, a série ganhou uma nova dimensão, um vasto terreno a ser explorado. Coisa que Gaiman fez muito bem. As nove edições que compões o arco (#40-49) jogam luz em diversos mistérios relacionados aos Perpétuos, sobretudo sobre Delírio, que se mostrou menos perigosa que Desejo.

Corrigan II é o arco de encerramento de Gotham City Contra o Crime. Quem achava que a saída de Ed Brubaker da série (o escritor tinha ido para a Marvel) poderia significar a derrocada da série, se enganou. Greg Rucka só não fez um encerramento à altura da qualidade de toda a série, como também soube quando parar. A DC tinha intenção na época de continua-la, mas Rucka se manteve firma a decisão de que a série acabava ali, para a sorte (ou azar) o nosso.

Até a conclusão de Até o Fim do Mundo, Preacher era uma das coisa mais legais que eu já tinha lido. Garth Ennis e Steve Dillon produziram um início de série de fôlego, de ritmo vertiginoso e de impacto. Esse arco mostra o reencontro de Jesse Custer com a sua sádica família, apresentando um dos personagens mais repulsivos da HQ, Marie L'Angelle, avó de Custer.

Preacher - Vol. 2: Até o Fim do Mundo [Panini, 2012]


Imagino como deve ter sido difícil na época do seu lançamento ler edição por edição, precisando esperar um mês para ver a continuação dos ganchos ao final. O leitor brasileiro passou por isso durante a publicação da série pela Brainstore, que ainda por cima não concluiu, interrompendo a série faltando apenas seis edições. Nós fomos ver a conclusão da série saindo por aqui somente em 2011, pela Panini.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Primeira "Coleção Histórica" dos Vingadores traz as origens da fase 3 da Marvel nos cinemas


Sim, esse quadrinho estava à tempos na minha pilha de leitura. Mas em tempos de anúncios sobre a fase 3 da Marvel nos cinemas, foi providencial colocar a leitura da Coleção História Marvel - Os Vingadores em dia. Aproveitando todo esse hype, a Panini está publicando uma nova fase da coleção, trazendo mais histórias clássicas da equipe, dentre elas A Guerra Kree-Skrull (The Avengers #90-91; 93-97) e a A Saga de Ultron (The Avengers #127, 161-162, 170-171, 201-202 e Fantastic Four #150). Mas quero agora me referir aqui à primeira coleção lançada, em 2012.

Personagens que provavelmente darão as caras nos próximos filmes da Marvel têm suas origens contadas nas histórias desse encadernado, que abarca as edições 54 a 60 de The Avengers. Temos aqui o primeiro embate entre Capitão América (ajudado por Bucky Barnes) e o Barão Zemo, que acarretou na morte (?) do jovem sidekick; temos também a origem do vilão do próximo filme dos Vingadores: Ultron. O recorte editorial para essa coleção foi preciso, já que o arco de histórias aqui contemplado tem presença marcante dentro da cronologia da Marvel, sendo de leitura essencial para qualquer fã.

É curioso observar que a origem do robô Ultron vai ser bastante alterado em relação à versão clássica dos quadrinhos. Nas HQ's, ele é o resultado de uma das experiência de Hank Pym, o Homem-Formiga, que adquiriu vida própria e uma personalidade psicótica. Inclusive, na sequência dos acontecimentos, Ultron ainda se valeu da tecnologia de Hank para criar um de seus primeiros seguidores, o androide Visão (outro personagem confirmado para o próximo filme dos Vingadores). No filme, tudo indica que Ultron se originará de uma das tecnologias de Tony Stark.

Nas duas últimas edições, conferimos ainda a estreia do Jaqueta Amarela, que é outro personagem que vai ganhar sua versão cinematográfica, estando confirmado como o vilão do futuro filme do Homem-Formiga (a ser lançado em 2015). Ainda desconheço se nesse filme haverá alguma referência a Ultron. Mas, levando em conta o fato que a Marvel procura amarrar o máximo possível os filmes da casa, não me surpreenderia muito se Hank tenha alguma participação na criação do super-vilão.

Todas as edições são assinadas pela dobradinha Roy Thomas-John Buscema, talvez os dois nomes mais identificados com a equipe, responsável por outras clássicas aventuras entre os anos sessenta e setenta (Thomas ficou nos roteiros entre 1967 e 1972).

Coleção Histórica Marvel #4 - Os Vingadores
The Avengers #54-60
**** 7,0
Marvel | julho de 1968 a janeiro de 1969
Panini | junho de 2012
Roteiro: Roy Thomas
Arte: John Buscema
Arte-final: George Tuska e George Klein

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Os Melhores Quadrinhos de 2014 - Roteiristas, Artistas e Coloristas

Acima: Matt Hollingsworth, Julie Maroh, Warren Ellis.
Abaixo: Dave Stewart, Art Spielgman, Neil Gaiman e
P. Craig Russell

Depois de escolher as melhores séries regulares e obras estrangeiras, vamos para outras categorias "cascudas": melhor roteirista e melhor artista. A dificuldade em escolher os melhores se agrava ao se levar em conta que tenho quase só escolhido obras renomadas e de reconhecida qualidade. Dificilmente leio uma obra sem prévia referência, e isso se deve sobretudo a falta de tempo de ler obras mais obscuras e lançamentos pouco referenciados. Mas vamos lá para as minhas escolhas, lembrando que não há classificação entre os três nomes de cada categoria.

Melhor roteirista


Fazendo dobradinha com as escolhas das melhores séries, é impossível não reconhecer o mérito de Neil Gaiman e Warren Ellis. Sandman e Planetary são seguramente uma das melhores obras dos quadrinhos. O que mais mais me surpreende nessas duas obras é o cuidado na construção das histórias, invariavelmente sempre frutos de muita pesquisa histórica e bibliográfica, sobretudo de Ellis, que em Planetary faz um verdadeira viagem dentro da cultura pop em sua obra, sem falar no embasamento científico de algumas de suas invenções.

O terceiro eleito é Art Spielgman, que rompeu várias barreira até então impostas aos quadrinhos ao lançar Maus, que conta a saga de sobrevivência de seus pais contra o regime nazista,  um marco do gênero em qualquer das acepções consideradas. Com Maus se consolidou a expansão da mídia para um público diferente, de livrarias, mais interessados em histórias adultas. Spielgman ganhou um Pulitzer pela obra, provando para muitos a relevância dos quadrinhos com um meio de expressão único. Não é pouca coisa, o que fez Maus estar indelevelmente marcado nos mais de 100 anos de história das HQ's.

Melhor artista


Curioso o papel que eu atribuo ao artista em uma HQ. Para uma HQ ser boa, é essencial que tenha uma arte também seja, e por mais que alguma obra tenha problemas de roteiros, se a arte for bacana, já não será caso de perca total. O artista deve possuir uma grande sintonia com o roteirista, para que seus desenhos componham a trama e não sejam uma mera reprodução do que tá escrito, uma mera ilustração. E nesse ponto, acho que os artistas que mais chegaram perto disso foram Juanjo Guarnido (Blacksad), P. Craig Russell (Sandman #50) e John Bolton (Os Livros da Magia #1).

P. Craig Russell
Arte de P. Craig Russell em Ramadã (Sandman #50)
Em comum também entre os três eleitos, além dos desenhos incríveis, é que todos eles provavelmente tiveram mais tempo que o artista de um título mensal, por exemplo, tem de desenhar. Suas participações foram em edições únicas, fechadas, longe da loucura do que é desenhar 20 páginas todos os meses. Talvez por isso seja um pouco injusto para os artistas dessas publicações concorrer com esse caras. Por isso, vale a pena mencionar que, dentre os títulos mensais, aqueles que saíram melhores em títulos regulares foram Michael Lark (Gotham Central), John Cassaday (Planetary) e, sobretudo, David Aja (Hawkeye).

Arte de David Aja em Hawkeye #11

Melhor colorista


Dentre os coloristas, me surpreendi com as aquarelas e guaxes de Julie Maroh em Azul é a Cor Mais Quente. Ela não só alçou a cor (no caso, azul) ao título de sua obra, como ela desempenha um papel essencial na trama, que evolui e se transforma com o transcorrer da trama, passando de tons monocromáticos no início, para o uso de variantes de azul que como se pulsassem em meio aos desenhos. Impressionante. Maiores considerações vocês podem conferir aqui. 

Os outros dois eleitos são velhos conhecidos na indústria: Dave Stewart (Fatale, Hellboy, Batman e Filho) Matt Hollingsworth (Hawkeye, Preacher e Justiceiro - Zona de Guerra). Ambos se adaptaram muito bem às técnicas modernas de colorização digital e tem usado em suas respectivas séries uma paleta de cores bastante diferenciada. Seus trabalho atualmente se caracterizam por fazer um bom uso de cores vibrantes, principalmente nas capas de Fatale e Hawkeye, obras que os credenciaram a encabeçar a minha lista de melhores. 

sábado, 13 de dezembro de 2014

Millar e McNiven oferece "quadrinho pipoca" competente e violento


Fugindo uma da toada de reedições de arcos há pouco tempo publicados no Brasil, a Salvat finalmente começou a lançar alguns materiais, que não são inéditos, pelo menos nunca tinham sido lançados em sua forma encadernada. Wolverine - O Velho Logan é uma dessas obras. Antes, ela só tinha saído em meio às revistas mensais do Wolverine em 2009. Coube a Salvat quebrar essa pasmaceira da Panini e relança-la.

A premissa não poderia ser menos interessante: como seria o mundo em que os super-vilões venceram e assumiram o poder? Mais ainda: um mundo em que praticamente todos os super-heróis estão mortos? Mark Millar pensou nesse mundo, fazendo jus a sua fama em começar muito bem suas histórias. O problema dele sempre foi com os finais.

Wolverine é um dos poucos heróis sobrevivente desse cenário distópico, muito mais devido ao seu obstinado fator de cura do que por vontade própria. Logan está fadado a viver. Millar e McNiven ignoram qualquer limitação etária para a revista e nos brinda com uma história violentíssima, de forma como nunca li na Marvel, mesmo dentro do selo MAX ou Marvel Knights, tradicionalmente compostos por histórias mais fortes. McNiven possui uma arte que pende mais pro realismo do que, por exemplo, Steve Dillon (que também pesou a mão no sangue em sua passagem por Justiceiro).

O resultado é uma história de ação constante, da forma como convencionei a chamar de "quadrinho pipoca". Se não fosse suficiente haver diversas cenas de luta corpo-a-corpo, tiroteios e muito sangue rolando, a série ainda oferece uma perseguição insana de dinossauros! O título, por essas e outras, é muito divertido e quase não se nota a leitura de suas mais de 200 páginas.

Claro que não é quintessência da arte sequencial. É apenas uma aventura descompromissada, chocante e bastante fiel à história do Wolverine, muito embora tenha praticamente implodido do todo o universo Marvel, ao impor a derrocada do heroísmo. No final, ainda fica aquele gancho pra uma possível continuação, que ainda não veio. Ainda não é sem tempo.

Wolverine - O Velho Logan
Wolverine (Vol. 3) #66-72 e Giant-Size Old Man Logan
**** 7,5
Marvel | 2008 e 2009
Salvat | setembro de 2014
Roteiro: Mark Millar
Arte: Steve McNiven
Arte-final: Dexter Vines, Mark Morales e Jay Leisten

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Os melhores quadrinhos de 2014 - Série regular e Obra estrangeira

Inicialmente devo advertir o leitor que esse artigo tem como critério único e exclusivo o meu gosto pessoal e não se refere necessariamente à quadrinhos publicados somente em 2014. O único requisito é que eu tenha botado os olhos na HQ ao longo desse ano que está terminando. Ou seja, pode acontecer que obras do arco da velha deem as caras por aqui. Também não irei cravar um vencedor, nem uma ordem de classificação, apenas elencarei os três destaque em cada categoria. Essa coluna demoraria o triplo de tempo para ser escrito se eu tivesse que decidir (sim, sou um poço de indecisão).

Esse foi um ano especialmente bom para o mercado de quadrinhos no Brasil. Obras de todos os gostos ganharam as estantes das bancas e livrarias, de todos os gêneros e procedências, material inédito ou republicações. Trata-se de uma época incrível para se ler quadrinhos e aparentemente essa tendência tem tudo para continuar em 2015.

Então, sem mais delongas, vamos para a listinha de fim de ano, que será dividida em três partes.

Melhor série regular


Essa foi uma categoria especialmente difícil de me decidir, pois as melhores e mais consagradas e obras de hoje e de antigamente desembarcaram aqui no Brasil nos últimos tempos, vide o ótimo trabalho de editoras como a Nemo, Vertigo/Panini e Companhia das Letras. É bom que eu também deixe claro aqui que várias dessas obras renomadas que saíram por aqui, como Monstro do Pântano e Sandman Teatro do Mistério, que ainda não cheguei a ler. Provavelmente farão parte da lista do ano de que vem.

Mas vamos as melhores séries. Primeiramente vou falar de Gotham City Contra o Crime (Gotham Central) que, além de ter sido umas melhores coisas que eu já li nos quadrinhos nos últimos tempos, é umas das maiores surpresas também. Quem diria que uma série ambientada em Gotham praticamente sem participação do Batman seria tão boa? Tudo graças ao talento de Ed Brubaker, Greg Rucka e Michael Lark em desenvolver tramas policiais. Uma equipe artística impecável e que ofereceu tudo aquilo que eu espero num quadrinho: diversão e reflexão. Confira os reviews de Gotham Central aquiaqui aqui

gotham central

As próximas duas eleitas são marmeladas. Planetary e Sandman são as obras máximas de dois gênios das HQ's, Warren Ellis e Neil Gaiman, respectivamente. Planetary ganhou uma publicação relâmpago digna de elogios pela Panini entre 2013 e 2014, apresentando os arqueólogos do impossível a toda uma geração de novos leitores. Uma obra para se ler sempre e imoderadamente. As camadas de leitura daquilo são quase inesgotáveis.

Sandman entrou entre as minhas preferidas principalmente graças ao arco Vidas Breves (Sandman #41-49), que até agora é a meu preferido na série. O volume 3 da edição definitiva da série lançado pela Panini ainda traz Ramadã (Sandman #50), outra preciosidade da nona arte, ilustrado por P. Craig Russell, que traz uma versão ainda mais fantástica das Mil e Uma Noites. Coisa maravilhosa.

Melhor série/obra estrangeira


Como a maioria das minha leituras (e das publicações das editoras brasileiras) se concentraram em títulos americanos, achei apropriado criar essa categoria em que se concentra as obras europeias, japonesas, brasileiras etc. E nesse filão teve destaque Blacksad: Vol. 3 - Âme Rouge, Azul é a Cor Mais Quente e J. Kendall. Reconheço que fiquei devendo em leitura de material nacional, apesar de muito material de qualidade ter saído.

Blacksad pode ser genericamente definida como uma série policial noir passada por volta da década de 50, que até agora acumula 5 livros. No Brasil, deu as caras por aqui apenas os dois primeiros, lançados pela Panini em 2006. Âme Rouge (Amor Vermelho, em tradução livre) é o livro seguinte, que não chegou por aqui. É uma pena, pois Canáles e Guarnido melhoram a cada obra e não economizam no apuro técnico, tanto que eles são famosos pelo longo tempo que demoram para concluir seus trabalhos. O review completo de Âme Rouge você pode conferir aqui.

blacksad


Pra mim, Azul é a Cor Mais Quente é a prova de que nada ainda substituiu a experiência de frequentar uma livraria/banca física. É uma das melhores formas de se conhecer obras desconhecidas ou que não estavam na nossa lista de compra. Com Azul... aconteceu isso. Depois que eu dei uma folheada na obra, não tive dúvidas: aquilo era ouro puro. E não me arrependi da compra. Trata-se de uma história incrível, acompanhado de uma bela e sensível performance artística de Julie Maroh. Também fiz um review sobre a obra.

azul é a cor mais quente martins fontes


Depois de duas obras francesas, é uma italiana que fecha a lista: J. Kendall. Apesar de ser uma obra seriada, de muitos números, J. Kendall tinha tudo para espanar nos números mais avançados, acontecendo o comum esgotamento da criatividade e originalidade. Mas Giancarlo Berardi é um dos gênios dos quadrinhos italiano (também festejado por criar o personagem Ken Parker) e, sempre cercado de bons colaboradores, não deixou a peteca da série cair, muito embora haja os compreensíveis altos e baixo. No Brasil, J. Kendall é publicado pela Mythos e você pode conferir um review aqui.

Confira também:
- Melhores capistas, edições avulsas e arcos

sábado, 6 de dezembro de 2014

Final de Planetary explora ainda mais a relação entre ficção e realidade, entre meio e mensagem

Planetary volume 4, arqueologia espaço-temporal, panini

É admirável que Warren Ellis não tenha se preocupado nenhum pouco em deixar o final de Planetary mais palatável ao leitor. Fiel ao estilo que seguiu durante toda a série, o volume final da série amarra todas as tramas apresentadas até aqui e harmoniza todas elas. Até pontos que aparentavam esquecidos, voltam com força no final, como a ideia por trás das 196.833 dimensões que dá a forma de um floco de neve à realidade. O último número (#27), em particular, é de uma piração total. Não foi a toa que Ellis e Cassaday demoraram três anos para concluí-lo.

A teoria de que o universo é composto essencialmente de informação e de que ele seja estruturado somente em duas dimensões é também outro criativa ideia metalinguística de Ellis ao se referir exatamente ao universo ficcional, inclusive os quadrinhos. Afinal, não são os quadrinhos, assim como o cinema e a TV, fonte de universos ficcionais em duas dimensões? Universo esse percebido em 3D graças a perspectiva do leitor? Toda essa realidade alternativa, no caso das HQ's, está toda expressa nas duas dimensões de uma imagem em meio à uma pilha multidimensional (que é a revista em quadrinho concretamente).

Até o nome dado ao encadernado revela essa metalinguagem. A arqueologia espaço-temporal se refere a uma das bases sobre a qual se sustenta a teoria da narrativa gráfica. O que são os quadrinhos a não ser o espaço (o dos quadros) convertido em tempo? Toda essa teoria do espaço como forma de expressar o tempo nas HQ's foi muito bem explicada por Will Eisner em Narrativas Gráficas e, posteriormente, por Scott McCloud em Desvendando os Quadrinhos.

Não parecia à primeira vista, mas por baixo dessas toneladas de referências havia uma trama maior, unificadora das demais. Planetary apresenta diversas camadas de entendimento a depender da bagagem cultural do leitor. Muitos irão ler sobre o duelo entre a fundação Planetary e os Quatro. Outros vão, além disso, enxergar uma crítica à própria indústria dos quadrinhos. Aliás, é famosa a teoria de que os Quatro seriam, na verdade, uma metáfora para a deterioração que os quadrinhos passaram desde o advento dos Quarteto-Fantástico em 1964.

Por fim, vale mencionar o quanto John Cassaday subiu em meu conceito como artista. Ele teve aqui oportunidade de apresentar toda a sua versatilidade, muito além do que os quadrinhos em geral exigem de algum profissional. O trabalho feito nas capas é um dos melhores já feitos, sobrepujando, em minha concepção, qualquer outro trabalho do gênero. Pois elas integram a história a HQ, o que justifica a opção da Panini em colocá-las antes da respectiva história.

Planetary: Volume 4 - Arqueologia Espaço-Temporal
Planetary #19-27
***** 9,0
Wildstorm | 2004, 2005, 2006 e 2009
Panini | abril de 2014
Roteiro: Warren Ellis
Arte: John Cassaday
Cores: Laura Depuy

sábado, 29 de novembro de 2014

Revigorada, Mulher-Maravilha de Azzarello e Chiang chega ao fim

Wonder Woman #35, The New 52

E finalmente a aclamada fase de Brian Azzarello e Cliff Chiang a frente do título da Mulher-Maravilha chegou ao fim. Foram 35 edições que revigoraram o prestígio que a super-heroína há muito tempo não gozava no meio dos quadrinhos. A revitalização de todos os personagens e títulos da DC no reboot de 2011 trouxe muita apreensão aos fãs, que presenciavam a milhonésima estratégia de marketing por parte da editora com o fim de alavancar as vendas. A apreensão de muitos se mostrou justificada em quase todos os títulos. Mas Mulher-Maravilha ganhou vida nova.

A frente da revista desde o início do reboot, a dupla Azzarello-Chiang contou uma nova origem para a heroína, deixando de lado a sua clássica gênese, bem como aquela introduzida por George Pérez após a Crise das Infinitas Terras, explorando mais o lado mitológico da personagem. Agora, ela não é mais a estátua que ganhou vida, nem a reincarnação de todo mal que os homens fizeram às mulheres, mas sim filha de Zeus e Hipólita. Alçada ao patamar de semi-deusa, Diana se viu também, ao longo dessa nova fase, transformada em deusa da guerra.

Essa mudança de paradigmas não poderia ter sido mais revigorante. A série ganhou em profundidade e se diferenciou de seus pares da editora ao apresentar uma trama muito mais coesa e grandiosa. Azzarello teve liberdade de contar sua história com calma e praticamente abandonou o recurso de arcos fechados. A história toda girou em torno da crise que se instalou no Olimpo com o sumiço de Zeus, dando margem para que o sádico primogênito reivindicasse o trono.

É uma pena que a atual fase tenha se encerrado, apesar de que nas últimas edições, a série tenha perdido um pouco do velho ritmo. O final foi apressado e introduziu questões que não foram satisfatoriamente desenvolvidas, como a questão do minotauro e da aparição de Ártemis. Azarello apara todas as pontas soltas, mas o faz com certa pressa.

No início, Azzarello havia dito que ficaria a frente de Mulher-Maravilha apenas por poucos meses, suficiente para catapultar a empreitada dos Novos 52. Mas o tempo mostrou que o projeto era grandioso demais para ser deixado incompleto, e ele conseguiu fazer isso com autonomia (o título não era alinhado a cronologia padrão da DC), fazendo com que a sua passagem já seja reconhecida como a que apresentou a "Mulher Maravilha definitiva".

Mulher-Maravilha #35
Wonder-Woman #35
**** 8,5
DC | outubro de 2014
Roteiro: Brian Azzarello
Arte: Cliff Chiang e Goran Sudzuka

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

"Quadrinhos" é obra diferenciada sobre a história contemporânea das HQ's


Lançado sem muita badalação no meio desse ano pela Martins Fontes, Quadrinhos - História Moderna de Uma Arte Global foi uma grata surpresa. Trata-se de um denso estudo sobre as últimas quatro décadas de produção de quadrinhos pelo mundo. A façanha se deu graças ao árduo trabalho de pesquisa dos autores Dan Mazur e Alexander Danner, que demonstraram além de muito apuro técnico e bibliográfico, um profundo conhecimento da arte sequencial.

O grande diferencial desse livro em relação aos demais livros teóricos é o seu enfoque para a arte em si, explorando as diversas tendências e estilos de composição de página, leiautes e traços. É nesse ponto em que se encontra a maior virtude da obra, pois ele explana um quadro evolutivo muito interessante sobre a evolução da arte, desde o underground até as webcomics, nunca deixando de contextualizar todas as sua informações.

Outro diferencial está em sua abrangência. Os autores se ativeram mais para a produção de países como EUA, Japão, França e Itália. Seu estudo sobre a produção japonesa durante a década de 60 e 70 talvez seja desconhecida por muitos, em razão do enorme vazio editorial por aqui de obras teóricas sobre quadrinhos japoneses. Informações sobre quadrinhos americanos já é quase de conhecimento comum de qualquer leitor de quadrinhos atualmente. Mas a dupla foi além desse conhecimento vulgar e procuraram abordar os quadrinhos sob o prisma artístico, sempre explicitando as concepções artísticas vigorantes em cada época. Para isso, o relato se apoia em centenas de imagens e ilustrações  das obras mencionadas ao longo do livro, o que incrementou a experiência de leitura.

Embora seja uma obra grande, de 322 páginas, em muitas passagens o livro peca por ser demasiadamente superficial ao se limitar em diversas passagens a tão só enumerar obras e autores, sem apresentar maiores referência as leitor não iniciado. Isso muitas vezes deixou a leitura enfadonha. Talvez tenha sido o preço pago pela pretensão de abarcar a produção de diversos países por um longo período de tempo.

Não se pode deixar de mencionar o ótimo trabalho que a Martins Fontes fez. Além de ter sido lançado apenas poucos meses depois que saiu nos Estados Unidos, a versão brasileira possui um ótimo acabamento e está bem traduzido, o que se percebe quando se vê opções acertadas como a de deixar de traduzir termos específicos em que não há uma tradução adequada para o português, como auteurs (ao se referir a artistas criativos) e ligne claire (que remete a tendência artística dos autores europeus durante a década de 50 e 60). 

Quadrinhos - História Moderna de Uma Arte Global
Comics - A Global History, 1968 to the Present
***** 9,0
WMF Martins Fontes | 2014
Autores: Dan Mazur e Alexander Danner

sábado, 22 de novembro de 2014

Metalinguístico, Planetary expande as barreiras dos quadrinhos convencionais

Planetary Volume 1, Panini, de Warren Ellis e John Cassaday

Não é muito comum encontrar nos quadrinhos mainstream obras tão fortemente calcadas na linguagem metalinguística quanto Planetary. O quadrinho de Warren Ellis e John Cassaday não optaram pelo caminho que Grant Morrison seguiu em Homem-Animal e em Patrulha do Destino. Eles expandiram o universo referencial e abordaram a cultura pop como um todo, como se toda a obra ficcional já criada habitassem o mesmo universo. É nessa realidade que a organização Planetary (composta por Elijah Snow, Jaquita Wagner, O Baterista e pelo misteriosos Quarto Homem) atua.

Quando li a recente versão da série que a Panini lançou, fiz questão de não ler nenhuma resenha a respeito. Quis entrar nesse mundo com o mínimo de coordenadas possíveis. Buscava a genuína experiência do leitor quando do lançamento da obra. Claro, que não tem como fugir do prévio conhecimento da relevância que a obra alcançou e de sua qualidade. Mas gostaria de me influenciar no mínimo com tais julgamentos e ter a minha própria ideia sobre a obra, evitando ao máximo conceitos alheios.

O que eu vi nos primeiros seis números da obra, mais um pequeno especial lançado antes, foi de uma obra difícil, mas que respeita a inteligência do leitor. O tom impenetrável do começo, logo foi se amenizando, e logo podemos compreender melhor sobre a missão da misteriosa organização Planetary. Só que nada é entregue facilmente. A obra não padece do defeito muito comum hoje em dia de deixar tudo explicadinho para o leitor. Ele deve ralar um pouco se quiser ter a noção completa da trama.

Logicamente que, bem ao estilo de Warren Ellis, a trama maior não dá pra sacar nesse primeiro volume. A obra é composta de histórias isoladas em cada número, mas que juntas compõe um quadro único, que vai sendo pintado paulatinamente. 

Nesse primeiro volume, os arqueólogos do impossível investigam o alvorecer e fim dos heróis da Era de Ouro (é clara a referência ao Sombra, Tarzan e Doc Savage), a morada dos famosos monstros japoneses, a história de vingança típica dos filmes de ação asiáticos e uma versão alternativa da corrida espacial, que deu origem a supervilões livremente inspirados no Quarteto Fantástico. Não somente a trama é referencial, como John Cassaday faz questão de adaptar sua narrativa gráfica às exigências do gênero explorado, demonstrando toda a sua versatilidade.

Planetary: Vol. 1 - Pelo Mundo Todo e Outras Histórias
Planetary #1-6
**** 8,5
Wildstorm | 1999
Panini | 2013
Roteiro: Warren Ellis
Arte: John Cassaday
Arte-final: Laura Depuy

sábado, 15 de novembro de 2014

Em nova inestida nos quadrinhos, Tomb Raider não empolga em seu primeiro arco

Lara Croft, Tomb Raider, Vol. 1

Acabou de sair no EUA, o primeiro encadernado da nova HQ de Tomb Raider. Obra diretamente derivada do reinício da franquia nos games em 2013, ela incorporou a renovação visual empreendida na ocasião. Lara Croft já não é mais aquela musa de seus primeiros jogos nos anos 2000. Agora, ela está rejuvenescida e menos interessada em explorar seu sexy apeal do que suas habilidades com o machado e artefatos históricos.

Depois dos eventos mostrados no game homônimo de 2013 (desenvolvido pela Cystal Dynamics e Eidos), a HQ começa com Lara Croft tendo que lidar com a perseguição da seita que pensou ter destruído na ilha de Yumatai, local onde aconteceu os acontecimentos do jogo. Eu não o joguei para saber até onde terminam as referências com o games, mas a HQ demonstra nos seus primeiros números bastante desenvoltura e autonomia, uma vez que não é preciso ter jogado o jogo para compreender a trama. Gail Simone se preocupou em agradar tanto fãs da série, quanto leitores não-iniciados.

Simone é bastante experiente em lidar com personagens femininas. É só conferir seu longo trabalho com a Mulher-Maravilha (2008-2010) Batgirl dos Novos 52 (2011-2014) e Red Sonja (2013). De fato, sua versão de Lara Croft agradou e se adequou perfeitamente ao seu novo background. Ocorre que a história vai se perdendo ao longo do primeiro arco e, no final, está irrecuperável. 

A necessidade de explanar os antecedentes e desenvolver a nova trama ao longo de apenas seis edições comprometeu muito o resultado final (novamente a controversa demanda mercadológica de contar histórias fechadas em arcos). A arte, a cargo de Nicholas Daniel Selma, é quase primária e não possui apelo artístico algum, salvo as capas das edições. Por isso tudo que a HQ é somente recomendada aos fãs da série, sobretudo aqueles que desejam conferir os desdobramentos dos acontecimentos mostrados no game.

Tomb Raider: Vol. 1 - Season of the Witch
Tomb Raider #1-6
*** 5,0
Dark Horse | novembro de 2014
Roteiro: Gail Simone
Arte: Nicholas Daniel Selma

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

A família de Will Eisner pode ser vista como metáfora da decadência moral da sociedade



"Famílias são fisicamente indistinguíveis umas das outras. Elas não usam insígnias. Elas são, afinal de contas, unidades tribais cujos membros estão lá graças a um evento biológico. E elas são unidas por um núcleo magnético que, ás vezes, não parece ser amor ou lealdade." Anônimo

É com esse pensamento pessimista sobre a família que Will Eisner inicia uma das últimas obra a chegar do Brasil. Lançada em 1998 nos EUA, Assunto de Família acompanha os preparativos de uma família desunida para a celebração dos 90 anos do seu patriarca. Mas as intenções de seus familiares não são tão nobres quanto o gesto sugere.

Logo no início fica claro que se trata de uma família esfacelada, mais interessada na herança do velho, não medindo esforços para cair nas graças dele. Os filhos dele são inimigos mútuos, cada um está mais interessado em inferiorizar o outro e levar vantagem em seu quinhão na herança. Se algumas família se unem por amor ou lealdade (como a frase da obra sugere), esta se reuniu buscando se resolverem às custas do pai e dos irmãos.

Juntos, o pior de cada um deles vem a tona, revelando um passado de intrigas, rixas, traição, ganância, incesto e coisas ainda piores. Eisner cria aqui um cenário familiar decadente, pessimista e não poupa ao pintar a sua concepção de que é capaz uma família desestruturada. Não deixa de ser espelho da decadência moral da sociedade como um todo. Definitivamente, a trama passa longe do tom redentor presente em vários outros trabalhos de Eisner.

Em si, Assunto de Família apresentada um história curta, mas não por isso ligeira nem rasa em seu conteúdo. Eisner foi um gênio no domínio da narrativa gráfica, não descuidando em nenhum momento de sua característica mais marcante. Exaltar a qualidade das obras de Eisner chega a ser redundante, por isso não vou aqui tentar convencer o leitor da importância da obra ou recomendar a leitura. Tudo isso está subentendido quando se fala em Will Eisner. Conhecer sua obra é tarefa obrigatória para todo fã de quadrinhos.

Assunto de Família
A Family Matter (1998)
**** 8,0
Devir | novembro de 2009
Roteiro e arte: Will Eisner

sábado, 8 de novembro de 2014

Quarto volume do Demolidor de Waid mantém o ritmo acelerado e coesão da linha narrativa

Mark Waid, Demolidor volume 4, Panini

Enquanto a Panini continua a publicação da atual fase de Mark Waid a frente do Demolidor com o lançamento do seu volume 5, eu aproveito para colocar a leitura da série em dia e encaro o volume 4. Essa é uma das poucas publicações recentes que eu faço questão de acompanhar. Waid é um grande roteirista de histórias de super-heróis e quase sempre cria boas tramas, geralmente encontrando o equilíbrio entre respeitar o background do personagem e ousar em novas tramas, fugindo do convencional.

É precisamente o que acontece nas edições de encadernado, em que há aparição inédita do vilão Coiote. Waid arranjou uma maneira muito criativa de apresentar esse personagem, que é de sua autoria. Uma vez que os leitores não sabem nada a seu respeito, ele se aproveita desse desconhecimento para chocar, introduzindo-o de um modo bastante ousado e criativo. 

Outra coisa que diferencia o Demolidor de Waid é de não se ater muito a estrutura rígida de tramas em arcos de 5 ou 6 edições. Desde a primeira edição a série vem contando uma história coesa, que continuamente se desenvolve, mas que nem por isso fecha as portas para novos leitores. Isso não é pouca coisa. Não é simples que algum roteirista de quadrinhos mainstream não descambe para a excessiva remissão de fatos passados ou crie arcos independentes entre si, algo comum em autores iniciantes.

Nos desenhos, Chris Samnee substituiu de vez Paolo Rivera (que cada vez mais vinha se afastando da arte interna), que passou a assinar somente a arte das capas. Mas Samnee não fez feito. Em uma arte mais escura que seu antecessor, ele não chega a ousar no layout como David Aja em Gavião Arqueiro, mas em compensação ele demonstra ter o completo domínio da narrativa visual, atributo essencial num quadrinho de ação.

Quanto ao trabalho da Panini, não há muito o que se comentar além da preocupação em economizar ao máximo o número de páginas. Em razão disso, algumas capas, quando não completamente suprimidas, são dispostas em formato reduzido para caber mais de uma na página. Não há folhas de rosto, nem textos remissivos. Enfim, pelo menos tá sendo publicado com regularidade. Feito elogiável.

Demolidor - Volume 4
Daredevil #19-25
**** 8,0
Panini | abril de 2014
Roteiro: Mark Waid
Arte: Chris Samnee
Arte-final: Tom Palmer
Cores: Javier Rodriguez

sábado, 1 de novembro de 2014

"Sin City - A Dama Fatal" demonstra o hoje raro virtuosismo de Frank Miller nas HQ's

Frank Miller, Sin City - A Dama Fatal, Devir

Sin City pode ser considerada um dos últimos respiros criativos de uma das mais prolíficas carreiras nos quadrinhos. Ouso dizer que depois de Sin City Frank Miller não foi mais o mesmo. Vieram em seguida obras que nem de perto fizeram jus a sua genialidade, como Batman: O Cavaleiro das Trevas 2 (2001), Grandes Astros Batman & Robin (2005) e Holly Terror (2011). Mas enquanto criava Sin City, ele ainda dava um show.

Em A Dama Fatal, bem como nos demais volumes da série, o seu desenho já assumia algumas característica que viriam a ser constantes em sua obra, como a ausência de plano de fundo, consistente na minimalização do cenário. Seus esforços passaram a ser no primeiro plano, explorando os jogos de sombra e luz. Do contraste entre o preto e branco se faz a arte, e esse recurso perfeitamente se adaptou ao ambiente que Frank Miller quis imprimir em seu roteiro.

Diferentemente da profusão de quadros que e verborragia presentes em O Cavaleiro das Trevas, Miller optou aqui por um layout mais enxuto, composto mais por painéis amplos, de página inteira. Por isso, a ambientação da história em muito se deve a narração em primeira pessoa de Dwight, responsável por imprimir uma atmosfera mais intimista. 

Ocorre que depois de sua fase em Sin City durante o início dos anos 90, Frank Miller nunca mais recuperou a sua acuidade artística, aquela que ele mostrou em obras como Ronin e Batman - O Cavaleiro das Trevas. O seu traço irregular e borrado, que tinha o seu lugar em Sin City, passou a ser a regra desde então, só que de uma forma piorada. A demonstração mais recente desse declínio artístico pode ser conferido no preview do seu último projeto, Xerxes, que saiu no Brasil na Dark Horse Apresenta #1 (da HQM Editora), e que está paralisada devido ao seus compromissos na produção do filme Sin City 2, baseado justamente em A Dama Fatal. Mais preocupado em trabalhar no cinema, talvez mais interessado no maior retorno financeiro do trabalho (nada contra), Miller deixou os quadrinhos de lado.

Ainda não conferi a recém-lançada adaptação cinematográfica da obra, mas A Dama Fatal fornece um material incrível, composto por um roteiro bem desenvolvido e cheio de cenas de ação, bem ao gosto do público hollywoodiano. Para se ter uma ideia, há um sem número de passagens na obra com aquela típica cena de vidro se estraçalhando contra um corpo alvejado de balas. Inspiração cinematográfica ele sempre teve.

Sin City - A Dama Fatal
Sin City #1-6 - A Dame for Kill
**** 8,5
Devir | março de 2013 (2ª edição)
Dark Horse | novembro de 1993 a maio de 1994
Roteiro e arte: Frank Miller

sábado, 25 de outubro de 2014

O fascinante colorido estético e emocional de Julie Maroh

Julie Maroh, O Azul é a Cor Mais Quente, Martins Fontes

A história das adaptações do HQ para o cinema ganhou mais um capítulo de sucesso com Azul é a Cor Mais Quente, que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2013. Felizmente, o sucesso do filme cacifou a obra para que fosse lançada a sua versão em quadrinhos no Brasil. A história de amor entre Clémmentine e Emma não se destaca somente pelo fato de ser um relacionamento homoafetivo. Antes de tudo, é uma história de amor. Um romance que não cai no erro de alguns congêneres de apelar ao sentimentalismo barato.

Azul é a Cor Mais Quente conta a história de Clémentine, garota de 15 anos que subitamente se vê fortemente atraída por uma desconhecida de olhos e cabelos azuis. A obra explora essa fase de autoconhecimento da sexualidade e vai além. A intolerância contra os homossexuais representada pelos pais e pelos amigos é abordada de maneira franca, sem excessos. Muito menos cai na armadilha do ativismo panfletário.

Julie Maroh, que é uma ativista engajada pelos direitos homoafetivos, foi muito habilidosa ao abordar o conflito dentro do universo de Clémentine, de forma que colocou apenas de passagem o engajamento de Emma nos protestos de rua, bem como a sua desilusão com a eleição do conservadpr Nicolás Sarkozy. Essa abordagem mais intimista valorizou a obra e não desviou o seu foco.

Maroh não apenas escreveu uma boa história, sua arte pintada também é digna de elogios. A base de aquerelas e guaches, a arte também é elemento importante na apreensão da obra. Basta notar a paleta de cores empregada. O tom monocromático presente no início passou aos poucos a dar espaço para a cor com o aparecimento do azul dos cabelos de Emma. Como sugere o título, o azul queimou a subconsciente de Clémentine irremediavelmente. O mundo ao redor dela somente começou a ganhar cor a partir do momento em que ela se aceitou e se permitiu amar Emma.

Finalmente, vale mencionar o ótimo trabalho da Martins Fontes, que além de caprichar no acabamento gráfico, teve a feliz escolha de preservar as onomatopéias em francês para não alterar a arte de Maroh. As expressões relevantes foram traduzidas em notas de rodapé.

Azul é a Cor Mais Quente
Le Bleu est une Couleur Chaude
**** 8,5
Glénat | 2010
Martins Fontes | 2013
Roteiro e arte: Julie Maroh

sábado, 18 de outubro de 2014

Conclusão de "Gotham City Contra o Crime" é amargo

Gotham Central, Vol. 6, Panini

O que esperar do final de Gotham City Contra Crime? Se alguém apostou em um final amargo, acertou. Mas não podia ser diferente, sobretudo se considerar que se trata de uma história centrada na última célula de ética dentro da polícia de Gotham, composta quase só de policiais corruptos. Gotham é uma cidade extremamente injusta, violenta, que exige o máximo da sanidade de seus habitantes. Manter a retidão moral nesse meio é um desafio.

Talvez por isso a série não apele em nenhum momento para personagens unidimensionais, de orientação maniqueísta. Aqui tudo é cinza. Até mesmo os policiais notadamente corruptos tiveram o sua voz dentro da série, como se mostrou na edição que abriu o último encadernado (#32). No decorrer de toda a série, vemos os detetives Unidade de Crimes Hediondos continuamente submetidos a uma realidade contraditória, opressora, onde os limites éticos nunca foram bem estabelecidos. Resta a eles a convicção de fazer bem o seu serviço.

O que vimos no arco que fecha a série é o estreitamento maior desses limites entre o certo e o errado, de modo que cumprir a lei não mais soluciona problema algum, servindo para perpetuar a injustiça e deixando um amargor nos corações de todos. Trabalhar com conceitos tão abstratos, ainda mais num quadrinho policial, é um feito extraordinário. Poucas vezes vi personagens tão bem explorados e desenvolvidos nos quadrinhos. 

Desde o início, a série não se omitiu em tocar em assuntos polêmicos, algo inimaginável na DC atual. Poucas vezes vi tanta liberdade criativa dentro da editora. Por isso, a decisão de Rucka em encerrar a série na edição 40 (a essa altura, tanto Ed Brubaker quanto Michael Lark já haviam deixado a DC) é elogiável, evitando que o seu prolongamento desnaturasse a obra como um todo.

Depois de Gotham City Contra o Crime, poucas vezes a DC foi tão feliz com um título, talvez o melhor da década passada.

Gotham City Contra o Crime - Volume 6
Gotham Central #32-40
***** 9,5
DC | agosto de 2005 a abril de 2006
Panini | dezembro de 2007
Roteiro: Greg Rucka e Ed Brubaker
Arte: Kano, Stefano Gaudiano e Steve Lieber
Cores: Lee Loughridge

sábado, 11 de outubro de 2014

Coleção de Graphic Novels Marvel da Salvat começa com obra de gosto duvidoso

Coleção Oficial Graphic Novels Marvel, Homem-Aranha - De Volta ao Lar

É certo que uma coleção que possui a pretensão de compilar o melhor da Marvel não começa lá muito bem ao escolher O Espetacular Homem-Aranha - De Volta ao Lar como edição de estréia. Não é que seja um arco ruim, mas é que falta a ela aquela grandiosidade, e até mesmo relevância, que possui várias histórias do herói.

E olha que eu devo admitir que a fase do J. M. Straczynski e John Romita Jr. evoca um cero saudosismo de minha parte. Foi a partir dela que comecei a ler as histórias do Homem-Aranha, na década passada, logo no início de sua publicação pela Panini (após a Marvel deixar a Abril). A história é divertida e possui bastante ação, mas é só.  

O vilão criado por Straczynski não possui nenhum charme e possui uma origem, além de mal explicada, estapafúrdia. Ele só serve mesmo para dar uma canseira no Homem-Aranha enquanto ele reflete, bem ao estilo, sobre a sua vida. Ele busca adicionar outros elementos à origem do herói ao colocar em dúvida se foi a aranha ou a radiação que deu os poderes ao herói. Mas, como se provou ao final do arco, tudo não passou de uma tentativa vazia de reconstruir as bases do personagem, que ao final se mostrou irreleRovante.

Os textos de apoio que acompanham o encadernado afirmam que a passagem de Straczynski pelo título foi a de renascimento do personagem após a terrível fase do final dos anos 90, façanha que, deve-se admitir, não deve ter sido muito difícil alcançar. 

A arte de John Romita Jr., apesar de não vir me agradando atualmente (vide o seu atual trabalho em Superman), ela é bastante dinâmica, o que privilegia a narrativa visual. Seu maior problema é desenhar rostos, que parecem ser sempre os mesmos, variando apenas em alguns detalhes.

O Espetacular Homem-Aranha: De Volta ao Lar
The Amazing Spider Man #30-35
*** 6,0
Marvel | 2001
Salvat | abril de 2013
Roteiro: J. Michael Straczynskyi
Arte: John Romita Jr.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Em Blues, Crumb coloca sua arte como expressão de seu amor pela música

Robert Crumb, Conrad, Blues

A temática musical é um elemento presente na obra de Robert Crumb. Em diversos trabalhos, mesmo aqueles não diretamente relacionadas ao gênero, é possível constatar o fascínio que o autor possui pela música, principalmente o blues do começo do século 20. Blues vem reunir parte dessa obra de Crumb

A edição brasileira reúne tantos os quadrinhos produzidos sobre o tema, quanto as artes feitas por Crumb para capas de LP's, cartazes de concertos, panfletos etc. O resultado dessa coletânea resultou numa das melhores obras sobre esse gênero musical, com uma abordagem bem diferente: a dos quadrinhos. Crumb procurou captar a aura quase artesanal oriunda dos primeiros anos do blues, conhecendo um pouco de sua origem, significado e influências sobre a cultura americana.

A pretensão da edição é exatamente essa: ser uma espécie de volume definitivo sobre os trabalhos de Crumb sobre música. Em todas as histórias e artes que compõem o encadernado podemos notar o envolvimento do autor com a música que, como ele próprio admite no posfácio da edição, é uma das coisas que lhe mais dão prazer, mais, inclusive, do que desenhar.

Aliás, o posfácio da edição é de leitura é esclarecedora. Nela, Crumb revela, entre outras coisas, a origem da ideia de desenhar Uma Breve História da América - sequência de desenhos que retratam a evolução de uma paisagem natural (cheio de colinas e árvores) até a sua completa urbanização (cheia de prédios e concreto). É evidente o ressentimento de Crumb quanto ao abandono de certas tradições do campo, sobretudo quanto ao country blues e do folk.

A melhor sequência do álbum está na história As Velhas Canções São as Melhores, em que ele desenha uma espécie de storyboard de algumas das música preferidas do autor. As canções escolhidas foram On The Street Where You LiveMy GuyPurple Haze e When You Go A Courtin, todas elas soberbamente ilustradas por desenhos hilários (propositalmente grotescos e exagerados), fazendo de sua leitura uma experiência deliciosa.

Blues
**** 8,0
Conrad | dezembro de 2004
Roteiro e Arte: Robert Crumb

sábado, 4 de outubro de 2014

Fonte de inspiração de Grant Morrison, histórias bizarras de Batman são reunidas em encadernado


Todo mundo sabe que Grant Morrison, antes de ser um ótimo roteirista, é um grande estudioso dos quadrinhos de super-heróis. É só reparar na grandiosa e recém-lançada saga Multiversity, em que faz um detalhado mapeamento de todos os 52 universos paralelos da DC Comics. Para escrever as suas histórias durante sua frutífera passagem pelo título do Batman, Morrison foi se inspirar nas primeiras histórias do herói, principalmente aquelas escritas na década de 50.

De fato, parece que Grant Morrison se baseou muito nessas histórias durante o seu tempo a frente das revistas do Homem-Morcego. Conceitos como os Batmen de outros países, que formaram o Clube de Heróis, foram cruciais para construir sua história em Corporação Batman. Quem leu Batman - Descanse em Paz vai descobrir a origem daquele Batman de Zur-En-Arrh e do bizarro Batmirim. São referências que desconhecia até a leitura dessas histórias.

No critério bizarrice, nada supera a história "Criatura Batman", em que o homem-morcego se transforma numa espécie de Gorila raivoso após ser exposto a um espécie de radiação, que era antes usada em animais para que eles roubem bancos (??). Nessa história, acontece de tudo, até uma clara referência ao filme King Kong, quando o gorila-Batman-gigante sobe ao topo de um arranha céu e começa a brigar com aviões. Enfim, um dos comics mais estranhos que eu já li.

É curioso também descobrir que, apesar de todo o mistério que ainda cerca a morte dos pais de Bruce Wayne, o crime já foi solucionado em Detective Comics #235 de 1955. A morte dos pais foi uma represália do criminoso Lew Moxon, que contratou um capanga qualquer para eliminá-los. Logicamente, desde então a versão dessa história mudou diversas vezes, praticamente se abandonando a versão dos anos 50, ainda mais depois da vindoura Crise das Infinitas Terras.

O mais curioso desse volume é reparar como o estilo das histórias mudaram desde aqueles tempos. O Batman de Bill Finger, que roteiriza quase todas as histórias, é de um super-herói feliz, realizado e muito mais próximo de Robin que hoje em dia.

As histórias preparadas para esse encadernado entram fácil nas mais estranhas (e também nas mais ridículas) já feitas. Mas isso analisado, claro, sob um olhar moderno, alheio ao papel que os quadrinhos mainstream tinham no meio do século, muito mais dirigido ao público infantil do que ao jovem/adulto e sob forte regulamentação do recém-criado Comics Code Authority (criado em 1954)

Batman - Arquivo de Casos Inexplicáveis
Batman #65, 86, 112, 113, 134, 156 e 162; Detective Comics #215, 235, 247 e 267; World's Finest Comics #89
*** 6,5
DC | 1951, 1954, 1955, 1956, 1957, 1958, 1959, 1960, 1963 e 1964
Panini | setembro de 2013
Roteiro: Bill Finger, France Herron e Edmond Hamilton
Arte: Sheldon Moldoff, Dick Sprang e outros.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Concebido para as novas gerações, Terra Um apresenta Superman carrancudo


A história você conhece, mas volta e meia ela é recontada para as novas gerações, ainda mais num momento em que o principal objetivo das editoras de quadrinhos é renovar o seu público leitor. A proposta da iniciativa é exatamente essa: atualizar e redefinir as bases sobre o qual se sustenta uma das histórias mais icônicas dos quadrinhos, a origem de Superman.

Em Terra Um acompanhamos todos os momentos importantes de Clark Kent, desde a fase de descoberta ao lado de seus pais em Smallville, até seus primeiros desafios em Metrópolis. A história começa quando Clark chegando em Metrópolis, mas, em forma de flashbacks, vemos a chegada dele na Terra, a forma como seus pais adotivos o encontraram, como seu uniforme foi tecido, enfim, a trama se valeu da já batida intercalação de eventos passados e presentes.

Ainda que conte essa história respeitando bastante a mitologia de Superman, não deixando de mencionar várias passagens clássicas de sua origem, mas Straczynski não deixou de imprimir sua proposta pessoal. Aliás, são precisamente essas as passagens mais frágeis e questionáveis da obra. Além disso, a dupla criativa passou uma aura extremamente equivocada ao personagem. Parece-me totalmente incrível o fato de Clark, ainda que esteja povoado de dúvidas e angústia de uma nova vida, passar toda a história com um semblante carregado. Estão querendo passar um ar de Batman ao Superman.

O roteiro peca ao inovar e trazer para a origem do herói um supervilão pífio, criado especialmente para o título. Ele simplesmente não representa uma ameaça. Isso praticamente fere de morte um dos momentos mais importantes da obra, se não ela por completo.

A história ganhou uma continuação em outubro de 2012 e o terceiro volume está programado para sair em fevereiro de 2015, todos roteirizados por Straczynski.

Superman: Terra Um
Superman: Earth One
*** 6,0
DC | novembro de 2010
Panini | dezembro de 2012
Roteiro: J. Michael Staczynski
Arte: Shane Davis
Arte-Final: Sandra Hope
Cores: Barbara Ciardo

domingo, 28 de setembro de 2014

Moderna e autocontida, atual série de Gavião Arqueiro dá nova vida ao personagem


Não deixa de ser alvissareiro ver que séries de qualidade como Hawkeye ainda possuem espaço no competitivo mercado de quadrinhos americano, sobretudo de super-heróis. A nova fase da revista do Gavião Arqueiro começou em 2012 no bojo da iniciativa Marvel NOW! e encabeçada pela dupla criativa Matt Fraction e David Aja. Fraction já é conhecido do grande público, sendo reconhecido por séries como Casanova e, mais recentemente, na elogiadíssima Sex Criminals (pela Image). Já David Aja foi uma grata surpresa.

O artista espanhol tem uma forma muito peculiar de desenhar, valendo-se de recursos pouquíssimos explorados hoje em dia, como relacionar a disposição dos quadrinhos com a trama. O seu traço, por sua vez, me lembrou um pouco o ótimo Michael Lark (Gotham Central), pois a aparente simplicidade do desenho é na verdade, após uma leitura mais detida, bastante sofisticado. Não chega a ser uma revolução artística, mas, diante da qualidade dos seus congêneres atuais, fica parecendo que é.

My Life as a Weapon é o nome do primeiro encadernado dessa nova fase, compilando as primeiras cinco edições. Nela acompanhamos a vida de Clive Barton quando não está com os Vingadores. Por isso, as histórias são muito autocontidas, não necessitando nenhum conhecimento prévio para apreciar a HQ em sua plenitude. Conhecemos aqui a rotina do herói junto com a sua parceira no arco-e-flecha Kate Bishop, que desempenha um papel de grande destaque na série.

Com diálogos ágeis, tramas espertas e de um ritmo habilmente conduzido pela dupla Fraction e Aja (e também Javier Pulido, que assina a arte das edições 4 e 5), Hawkeye fez por merecer a baciada de premiações e elogios que recebeu da crítica.

Em tempo, essa revista merecia melhor tratamento no Brasil do que vir escondida dentro do mix da revista do Capitão América. Justamente pela disposição isolada da série dentro do "universo Marvel", no mínimo um encadernado seria adequado, nos moldes que a fase de Mark Waid a frente de Demolidor está ganhando.

Hawkeye: Vol. 1 - My Life as a Weapon
Hawkeye (2012) #1-5
***** 9,0
Marvel | março de 2013
Roteiro: Matt Fraction
Arte: David Aja e Javier Pulido
Cores: Matt Hollingworth

sábado, 27 de setembro de 2014

O retorno de Justiceiro pelas mãos de Ennis e Dillon revitalizou o personagem


Preacher estava em sua reta final de publicação (a edição 66 saiu em outubro de 2000) quando a parceria entre Garth Ennis e Steve Dillon rendeu mais um fruto explosivo. Criado especialmente para abrigar histórias mais adultas com os personagens Marvel, o novo selo Marvel Knights possibilitou que a dupla tivesse mais autonomia para revitalizar o personagem Justiceiro nos quadrinhos.

Como o próprio Garth Ennis escreveu na introdução que abre o encadernado dessa fase, suas histórias servem para um único e exclusivo objetivo: divertir o leitor. Nada de fazer uma análise sociológica sobre a psiqué violenta de Frank Castle, nem tentar encontrar a origem para o seu comportamento. Nas palavras do irlandês:

"É para isso que estou nessa série, pessoal. Diversão. Pura e simples. Nada de uma análise complexa das causas do crime, nem o retrato da trágica queda de um homem numa psicose assassina, nem um exame aprofundado de um vigilante no passar dos anos. E nem a fórmula da Coca-Cola, também. Só risadas, ação e um monte de automáticas disparando pelo seu dinheiro."

Como dá pra perceber, Ennis sabe muito bem o que quer entregar para o seu leitor e quem se dispõe a lê-lo sabe exatamente o que esperar. Nessa sua passagem por Justiceiro (ele retornou ao título em agosto 2001 para mais 37 edições), ele, bem ao seu estilo, entrega uma história divertida e politicamente incorreta. 

A história em si não tem nada de excepcional ou digno de nota. Mas o maior ponto fraco do arco foi o núcleo centrado no "Esquadrão Vigilante", que ao final não teve nenhum desdobramento relevante e nem interferiu na história principal. Praticamente um filler, quase que um spin-off ao longo do arco.

Se seguir o plano de publicação original, em breve a Salvat lançará o arco em dois encadernados, dentro de sua Coleção Oficial Graphic Novels.

Justiceiro - Bem Vindo de Volta, Frank
The Punisher (2000) #1-12
**** 7,0
Marvel | 2000-2001
Panini | janeiro de 2008
Roteiro: Garth Ennis
Arte: Steve Dillon
Arte-final: Jimmy Palmiotti
Cores: Chris Sotomayor