Comparada com os dias de hoje, a DC dos anos 80 e do começo dos anos 90 deixa ainda mais saudades. Eu não consigo imaginar hoje a editora mantendo tamanha lealdade ao espírito de um de seus título do modo como manteve com Hellblazer. Primeiramente, cabe lembrar que John Constantine foi criação de Alan Moore nas páginas de sua A Saga do Monstro do Pântano. Quando o personagem ganhou sua revista própria, outro inglês foi chamado para comandar o título, e a passagem de Jamie Delano se provou antológica e até hoje é lembrada pelos fãs. Ao fim de sua passagem, o que a DC fez? Novamente foi ao Reino Unido e chamou o então proeminente roteirista Garth Ennis para dar um upgrade na revista.
Não se trata apenas de Constantine ser um genuíno inglês, com seu senso de humor peculiar e introspecção que beira a arrogância, não, o título Hellblazer como um todo emana de suas páginas um clima lúgubre bastante apropriada ao clima sombrio e melancólico de Londres. Dificilmente, um roteirista americano saberia transmitir toda essa aura que paira sobre a capital inglesa. Vemos isso perfeitamente no arco Hábitos Perigosos, que deu início a nova fase de republicação da fase clássica de Hellblazer pela Panini. A história seguinte ao arco (O Pub onde eu nasci), por exemplo, aborda mais de perto um elemento cultural genuinamente inglês: os seus famosos bares.
Em seu primeiro trabalho para o mercado norte-americano, Garth Ennis fez uma estreia de impacto, construindo uma história antológica que até hoje é referenciada como uma das melhores da saga do mago inglês. Em Hábitos Perigosos, num primeiro momento, o principal perigo não espreita a partir da magia, de demônios ou qualquer outra coisa que o valha, dessa vez o golpe veio de perto. De muito perto. O cigarro finalmente cobrou o seu preço, e um câncer terminal de pulmão anunciou os dias finais de Constantine.
Não tem como negar que foi uma sacana genial de Garth Ennis fazer do câncer um vilão. Inclusive, esse plot serviu de base para o roteiro da adaptação cinematográfica do personagem de 2005, estrelada por Keanu Reeves. Realmente, todo aquele cigarro que Constantine fumou uma hora voltaria para assombrá-lo. Contudo, para que a história fosse um sucesso era necessário um final coerente, já que os quadrinhos estão cheios de boa ideias mal executadas ou terrivelmente finalizadas. Felizmente, o desfecho de Ennis aparou as pontas soltas da trama, de forma que o último quadro do arco ilustra bem o estilo da prosa de Ennis: de dedo médio em riste, Constantine manda três demônios sedentos de vingança para aquele lugar.
Por fim, não dá para não elogiar a iniciativa da Panini de dar sequência a republicação do material clássico de Hellblazer. Dessa vez ele capricharam mais ainda no tratamento do material, ao trocar o papel piza brite (que, é bom mencionar, não desgostava, muito menos prejudicou a fase "Origens") pelo papel LWC. Isso tudo sem perder de vista o preço acessível. Uma pena só eu não estar podendo acompanhar a publicação da fase do Peter Milligan (a última da revista) que também está saindo atualmente. Material altamente recomendado.
Hellblazer Infernal: Vol. 1 - Hábitos Perigosos
Hellblazer #41-48
**** 8,5
DC | maio a dezembro de 1991
Panini | abril de 2014
Roteiro: Garth Ennis
Arte: Will Simpson e Mike Hoffman
Arte-final: Malcolm Jones III, Tom Sutton e outros
Cores: Tom Ziuko