domingo, 7 de junho de 2015

"O Juramento" revisita as origens de Doutor Estranho sem ser revisionista


Eu li poucas histórias do Doutor Estranho para poder afirmar com segurança sobre o potencial do personagem para boas histórias. Da minha memória, recordo apenas Triunfo e Tormento, história escrita por Roger Stern e desenhada por Mike Mignola, em que Estranho antagoniza Doutor Destino. Fato é que depois da memorável fase do final dos anos 60 e início dos anos 70, poucas histórias protagonizadas pelo mago são dignas de referência, o que levanta a questão sobre a qualidade do personagem ou ainda sobre a necessidade de uma reformulação do seu background, a exemplo do que ocorreu com outros super-heróis da Marvel, como Capitão América e Thor.

Brian K Vaughan provou em O Juramento que o problema não é esse. Doutor Estranho pode sim render ótimas aventuras. O autor foi além da carapaça proporcionada pela alcunha de "O Mago Mais Poderoso do Mundo" e explorou as fraquezas do personagem, principalmente sua arrogância e o trauma que o fato de não poder mais praticar medicina lhe causou. Para isso (e também para estabelecer as origens do personagem para "a nova geração"), Vaughan revisitou as origens de Estranho, desde o acidente de carro que lesionou permanentemente os nervos das mãos e, consequentemente, sua bem sucedida carreira como médico cirurgião.

Por trás dessa tragédia, Vaughan inseriu a figura de Nicodemus West. Além de antagonizar Estranho na história, foi Nicodemus quem o operou após o acidente de carro que lesionou as suas mãos. Dessa forma Vaughan deu sua cooperação na construção do personagem ao adicionar um personagem novo, intimamente interligado com a gênese do herói. Uma pena que Vaughan não tenha conseguido fazer dele um bom vilão, ou pelo menos um que fosse mais marcante. O roteirista preferiu investir na dualidade de Nicodemus, cujas intenções eram as melhores no início, mas que foi logo corrompido pela culpa e arrogância.

Como o próprio Vaughan e Marcos Martín reconheceram, Doutor Estranho é um personagem difícil do leitor estabelecer uma conexão, uma empatia. Trata-se de um personagem mais velho do que a média dos personagens, vive sozinho e é uma pessoa amarga na maior parte do tempo . O fato dele ser o Mestre das Artes Místicas não ajuda nenhum pouco. O que eles pretenderam então com sua história era dar uma lição de humildade em Estranho. No momento que soube que Wong estava a beira da morte em razão de um câncer cerebral, ele se lembrou de seu juramento como médico, o Juramento de Hipócrates, segundo o qual o médico deve usar de todos os recursos que tiver a sua disposição para salvar o paciente. A partir daí, ele assumiu a conduta altruísta e abnegada dos médicos, numa espécie de redenção pessoal (e editorial).

Em suma, O Juramento é um bom gibi, de leitura agradável e divertida. Ocorre que a história seria bem melhor se a abordagem a respeito da panaceia fosse mais bem desenvolvida. Havia muita margem ali para Vaughan desenvolver melhor os dilemas éticos que uma eventual cura para todas as doenças geraria. A ideia está lá, mas foi apenas tangencialmente mencionada. Outro ponto fraco, dessa vez referente à edição da Salvat, é que faltou uma revisão do texto. Há diversos erros básicos de concordância e regência, que nem a desculpa do uso de linguagem coloquial justificaria. Apesar disso tudo, pra quem não acompanha a coleção, trata-se uma edição que vale a compra.

Doutor Estranho - O Juramento
Doctor Strange: The Oath #1-5
**** 7,5
Marvel | dezembro de 2006 a abril de 2007
Salvat | novembro de 2014
Roteiro: Brian K. Vaughan
Arte: Marcos Martín
Cores: Javier Rodriguez

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