domingo, 31 de janeiro de 2016

Em obra autobiográfica, Crumb expõe seus demônios internos


Se você chegou até aqui, então Robert Crumb não lhe é um completo desconhecido. Mas se por um acaso você ainda não sabe muito sobre esse grande artista, basta ler Minha Vida, seu álbum autobiográfico, para conhecer a fundo as principais fases de sua vida e carreira. O leitor de primeira viagem, contudo, fique de sobreaviso, pois o primeiro contato através dessa obra pode ser chocante.

Em Minha Vida, Crumb destila todo o seu estilo sinistro e bizarro que lhe rendeu a fama de maior expoente dos quadrinhos underground americano. O álbum alterna passagens em forma de quadrinhos (em que o próprio Crumb é o seu personagem principal) e outras em que ele próprio conta, textualmente, alguns momentos importantes de sua vida. É aí que talvez esteja a maior qualidade do álbum, pois esse estilo despojado e sincero também é marca de seu texto, proporcionando muitas risadas e até reflexões. 

Seu início de carreira, as experiências com drogas, o conflito com o entretenimento de massa são alguns pontos abordados em seus textos. Crumb realmente não fez concessões quando decidiu colocar sua vida no papel. Não deixou de colocar os momentos embaraçosos, ridículos ou depreciativos de sua vida. Sua arte não comporta autoindulgência nem moralismos. Ele não espera a compreensão do leitor, muito menos espera sua aprovação.

No início afirmei que a edição é ótima para conhecer mais sobre Crumb, contudo ela não é a mais indicada o primeiro contato com o autor, sob pena dela não ser apreciada completamente. Para aquele que quiser se começar a conhecer a sua obra, creio que o melhor seja começar por álbuns como Fritz, The Cat e Zap Comix (ambos também lançados pela Conrad), que, por coincidência ou não, compilam trabalhos da fase inicial do autor.

Robert Crumb, certamente, não é para todo mundo. O seu humor negro, sarcástico e sem barreiras pode encontrar muita resistência em alguns apreciadores de quadrinhos. Mas para os fãs de sua obra, o álbum é obrigatório tanto para conhecer mais da mente por trás do traço quanto para conhecer alguns materiais raros do autor.

Minha Vida
**** 7,5
Conrad | 2010 (2ª edição)
Roteiro e Arte: Robert Crumb

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Eu li... Wolverine: Logan

Logan #1-3 | Marvel (mai-jul/2008) | Panini (mai/2009) | Roteiro Brian K. Vaughan | Arte Eduardo Risso | Cores Dean White

Em Logan, Vaughan e Risso voltam às origens do personagem para contar um momento importante de sua história: a sua participação nas batalhas da Segunda Guerra Mundial. A minissérie vem reforçar a identificação do personagem com o Japão, elemento esse já completamente integrado ao seu background. O diferencial dessa história está em revelar um novo amor de Logan no país (que na época ainda não era o X-Men Wolverine). Não se trata de Mariko, por quem ele se apaixonou dentro do universo regular. Como o selo Knights não integra a cronologia oficial do personagem, Vaughan se sentiu a vontade em criar esse novo romance. O resultado é uma boa história que alia perfeitamente ação e drama.

domingo, 24 de janeiro de 2016

Jeff Lemire propõe viagem através do tempo e do espaço em "Trillium"


Após concluir o ótimo Sweeth Tooth no início de 2013, Jeff Lemire logo emplacou outro trabalho no selo Vertigo. Dessa vez em um projeto totalmente diferente da obra que o precedeu. Enquadrar Trillium como uma epopeia espacial é mostrar apenas um prisma da obra, pois Lemire desceu muito a fundo nos conceitos clássicos de ficção científica, conseguindo resultados muito interessantes, sobretudo se considerarmos que se trata de uma minissérie de apenas oito edições.

Trillium acompanha a história de duas pessoas, Nika e William, separados temporalmente por mais de dois milênios de história, mas misteriosamente ligados por algum vínculo cósmico. Nika é um dos poucos sobreviventes da raça humana em 3797, que vem sendo perseguida por vírus mortal com potencial para dizimar o restante da humanidade. A última esperança se encontra no potencial curativo de uma planta chamada Trillium, somente encontrada aos pés de uma pirâmide ocupada por uma isolada tribo. Por outro lado, William é um explorador do ano de 1921, que procura na floresta amazônica peruana um mitológico templo Inca.

Enquanto Nika tentava estabelecer contato com a tribo, ela é provocada pelos nativos a ingerir o Trillium e entrar no templo, fato que a mandou de volta no tempo, direto para o templo Inca na Amazônia em 1921, dando de cara com William. A partir desse momento, o destino deles irremediavelmente se unem, ao passo que as ações de um passam a provocar consequências no outro.

O entrelaçamento entre os destinos de Nika e William não ficou apenas no aspecto do conteúdo. Jeff Lemire, flertando com o experimentalismo, trabalhou também a forma, de modo que os quadros e as páginas refletem esse aspecto do enredo. A primeira edição, por exemplo, é um flipbook que possui duas capas (uma com Nika em destaque; outra, com William). O leitor pode começar a ler a história por qualquer sentido, sem prejuízo de entendimento.

Na terceira edição, as páginas que conta a história de Nika estão no sentido comum, enquanto as de William ficam de ponta-cabeça, precisando o leitor virar o livro para continuar lendo. Na quinta edição, a parte de cima da página conta a história de Nika, a metade de baixo, de ponta-cabeça, a de William. Toda essa inusitada disposição dos quadros vem enriquecer ainda mais um roteiro já bastante experimental. Não é propriamente uma técnica original conduzir o leitor a uma imersão na forma (Monstro do Pântano de Alan Moore está aí pra demonstrar), mas é alvissareiro perceber que ainda há autores dispostos a experimentar dentro dos quadrinhos mainstream.

Nesse ponto da carreira, Jeff Lemire demonstra não só sua versatilidade nos desenhos (todos lindos), como a sua disposição em experimentar. Em muitos momentos, Trillium apresenta uma trama hermética, de difícil assimilação. Contudo, se o leitor se permitir abstrair alguns conceitos e embarcar na proposta de Lemire, a viagem terá tudo para ser gratificante ao final.

Trillium
Trillium #1-8
**** 8,0
Vertigo | outubro de 2013 a junho de 2014
Roteiro e Arte: Jeff Lemire

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Eu li... Moon Knight Vol. 2 - Dead Will Rise

Moon Knight #7-12 | Marvel (nov/ 2014 - abr/2015) | Roteiro Brian Wood | Arte Greg Smallwood e Giuseppe Camuncoli

Depois do ótimo arco escrito por Warren Ellis, a Marvel manteve o nível de excelência do título ao escolher Brian Wood como roteirista. Seguindo os passos do escritor inglês, Wood jogou luz sobre o peculiar relacionamento de Marc Spector e a deidade Konshu, que habita a mente do herói. Não sou particularmente versado na mitologia do Cavaleiro da Lua, por isso me pareceu bastante esclarecedoras algumas passagens em que o herói lida com as diversas facetas de sua personalidade em suas missões. No geral, esse run de Wood tem um ritmo menos frenético do que o do Ellis, mas o foco em certos experimentalismos se manteve, como na história ilustrada somente com displays de câmeras que registravam os acontecimentos.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Focando na nova geração de leitores, Pope se espelha em heróis clássicos

Bom de Briga, de Paul Pope - Quadrinhos na Cia

Se eu li um gibizinho gostoso de ler e divertido em 2015 foi Bom de Briga, de Paul Pope (Batman - Ano 100). E esse nem é um daqueles casos em que a gente vai conferir alguma obra sem nenhuma expectativa e, no final, acaba sendo surpreendido. Ao contrário, Bom de Briga, desde que foi lançado, vem angariando boas críticas, o que contribuiu para que eu alimentasse certa expectativa sobre sua qualidade. Expectativas, diga-se, plenamente correspondidas, pois Pope conseguiu em cerca de 200 páginas não só contar uma boa história, como também erigir do zero um universo próprio e bastante promissor.

O quadrinho conta a história de um jovem deus (aqui na Terra apelidado de Bom de Briga) que, ao completar 12 anos, precisa passar por um ritual chamado de incursão, por meio do qual ele deve testar suas habilidades e se provar digno de sua condição. Para tanto, ele é enviado para a cidade de Arcópolis, há muito tempo sitiada por monstros e que acaba de perder as esperanças depois da morte de seu mais proeminente herói, Haggard West.

Trata-se de uma história divertida muito por conta da habilidade narrativa de Pope. Seus desenhos, seus diálogos são fluído e cativantes, como há muito tempo não vejo num quadrinho da DC ou da Marvel, que possuem um know-how quase secular de contar histórias de super-heróis. Pope trouxe um frescor pro gênero que só quem almeja o público infanto-juvenil tem conseguido nos últimos tempos.

Esse é outro aspecto a se comentar: o público alvo. Embora trata-se de um gibi dirigido majoritariamente ao público infanto-juvenil (de 13 a 17 anos), Bom de Briga é capaz de cativar o leitor de longa data, não só em razão da sua incontestável qualidade, mas porque Pope se vale de elementos já explorados pelos super-heróis clássicos. Por exemplo, o uso da mitologia como fonte dos super poderes e a relação entre pai e filho deuses. Não é preciso muito esforço para relacionar esses elementos ao que Thor já fez muito bem durante toda a história. Só que Bom de Briga traz mais: atualiza vários conceitos, conversa com a nova geração de leitores ao se apegar a um ritmo despojado e frenético de narrativa. 

Pope preza pelas cores quentes e enquadramentos dinâmicos para imprimir ação em suas cenas, tudo isso temperado com o carisma dos personagens. A leitura, assim, se desenvolve fluída e rapidinho chega-se ao final da HQ, que, infelizmente, não tem sua trama concluída. Pope já está trabalhando na continuação, além de já ter lançado outra obra que se passa no mesmo universo (The Rise of Aurora West), onde conta as origens da família West. Pena só que Pope tem sido bem lento.

Bom de Briga
Battling Boy
***** 9,0
First Second | 2013
Quadrinhos na Cia | julho de 2014
Roteiro e arte: Paul Pope

domingo, 10 de janeiro de 2016

Jessica Jones: Força e Sensibilidade

Essa resenha é a primeira participação especial de Janaina Cota aqui no blog. Além de minha namorada, ela é uma grande fã tanto dessa série quanto da personagem Jessica Jones.


O universo dos quadrinhos nos últimos vem ganhando uma atenção especial em séries e filmes. É cada vez mais corriqueira a presença de personagens dos quadrinhos em cartazes e chamadas de lançamentos. A popularidade destes é crescente, e a indústria, a fim de conseguir ainda mais seguidores e manter os fãs atuais, está aprofundando em personagens secundários e outros há muito perdidos nos anos. Jessica Jones, do quadrinho Alias, é um exemplo desse fenômeno.

Após a criação do seriado (com título de mesmo nome da personagem), lançado pela Netflix, essa heroína conhecida por poucos ganhou especial atenção, gerando admiradores e algumas polêmicas a respeito da moça. Jessica Jones é apresentada em seu quadrinho como detetive da Codinome Investigações, criado por ela após desistir da carreira de heroína, quando se autodenominava Safira. Orfã, de aparência desleixada, modos grosseiros e aparentes problemas com cigarro e bebida, ela foi adotada por uma boa família. No entanto, a história da moça vai muito além dessa visão inicial. O desenrolar da história e os encaixes são simplesmente geniais, com direito a aparições de Luke Cage, Matt Murdock (Demolidor), J. Jonah Jameson, Peter Parker (Homem Aranha) e Dr. Octopus. 

Retomando: no primeiro capítulo já notamos a personalidade forte da jovem, as dificuldades de falar sobre seu tempo como heroína e o vazio de sentimentos, facilmente notado na cena de sexo com Luke Cage, seu amigo, quando revela sua necessidade de sentir algo, não importando o quê. Durante algumas de suas investigações ao longo da HQ, ela conhece outras pessoas, dentre eles um policial de uma pequena cidade, onde se envolvem em um romance rápido, e deparamos com o preconceito dele em relação a personagem, simplesmente pelo medo do diferente. E por conseguinte, envolve em uma relação com o super-herói, Homem Formiga, apresentado pela sua antiga colega, e também heroína, Carol Danvers (Miss Marvel). Esse romance não viria a durar, pois uma notícia mudaria a vida dos dois personagens. 

Outra peculiaridade da nossa amada heroína é força de superação, principalmente ao tratar do seu principal vilão, o Homem Púrpura, cujo poder de liberar hormônios o permite controlar a mente da vítima. O cruel Homem Púrpura com esse seu poder de controlar, manteve Jéssica Jones presa por meses e cometeu abusos contra a moça, forçando ela a amá-lo enquanto ele a desprezava por divertimento. Jéssica chora com Luke Cage ao contar sua história, enquanto lida com o pânico de enfrentar o Homem Púrpura novamente. O destino cuidou disso, e logo vemos Jéssica em ação, mostrando coragem de lidar com seus sentimentos, com toda a força que a personagem possui.

Jessica Jones se mostrou uma personagem madura, forte e direta, uma mulher com sentimentos e problemas como qualquer outra pessoa. Ela trouxe uma visão real do que vivemos, as dificuldades enfrentadas pelas pessoas especiais e os abusos sofridos, seja nas relações e conflitos pessoais, seja lidando com as perdas e sofrimentos oriundos das responsabilidades e das escolhas que fazemos. Por trás desse contexto, revela-se que todos super-heróis tem uma história, possuem família e, tendo superpoderes ou não, lidam com os mesmo problemas, conflitos e desejos que nós. Essa visão dos problemas humanos são abordados de forma maravilhosa e os traços do quadrinho não poderiam ser mais expressivos. É por essas e por outras que Jéssica Jones é um ícone.

Alias
Alias #1-28
***** 10
Marvel | novembro de 2001 a janeiro de 2004
Panini | agosto de 2010 (compreende #1-9)
Roteiro: Brian Michael Bendis
Arte: Michael Gaydos

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Melhores de 2015 | Lista Geral

Para maiores detalhes sobre os "vencedores" é só clicar no link de cada categoria!

Melhores roteirista
- Alan Moore (A Saga do Monstro do Pântano)
- Neil Gaiman (Sandman e Violent Cases)
- Robert Kirkman (The Walking Dead)

Melhores artistas
- Brian Bolland (Camelot 3000)
- Hugo Pratt (Corto Maltese - A Balada do Mar Salgado)
- Winshluss (Pinóquio)

Melhores coloristas
- Elizabeth Breitweiser (Fatale)
- Juanjo Guarnido (Blacksad: Amarillo)
- Laura Martin (Os Surpreendentes X-Men e O Ministério do Espaço)

Melhores capistas
- Brian Bolland (Camelot 3000)
- George Pérez (Crise nas Infinitas Terras, Os Novos Titãs e Mulher-Maravilha)
- John Cassaday (Os Surpreendentes X-Men)

Melhores álbuns
- Corto Maltese - A Balada do Mar Salgado
- Pinóquio
- Violent Cases

Melhores séries regulares
- A Saga do Monstro do Pântano
- Os Surpreendentes X-Men
- The Walking Dead

Melhores minisséries
- Camelot 3000
- Fashion Beast - A Fera da Moda
- Reino do Amanhã

Melhores arcos
- O Contrato de Judas (Tales of The Teen Titans #42-44e Tales of The Teen Titans Annual/1984)
- Destroçados (Astonishing X-Men #13-18/2006)
- Gótico Americano (The Saga of Swamp Thing #37-50/1985-86)

Melhores edições únicas
- A Saga do Monstro do Pântano #21 - Lição de Anatomia
- Sandman #75 - A Tempestade
- Astro City #4 - Proteção

Melhores capas
- Crisis on Infinite Earths #7/1985 - Por George Pérez
- Astro City #4/1995 - Por Alex Ross
- Camelot 3000 #8/1983 - Por Brian Bolland