domingo, 21 de fevereiro de 2016

Apesar do bom argumento, Millar peca pela falta de sutileza


Chamado no Brasil de Túnel do Tempo, Elseworlds é o selo que a DC colocava nas suas publicações que não eram alinhadas com a cronologia oficial da editora. Hoje em dia ela caiu em desuso. Foi no final dos anos 90 e início dos anos 2000 que ela teve o seu auge com obras clássicas como Gothan City 1889, Liga da Justiça - O Prego e Robin 3000. Superman - Entre a Foice e o Martelo lançado em 2003 nos EUA em três edições é outra obra de sucesso desse selo e muito ansiada pelos leitores brasileiros, que desde 2006 não a vê sendo publicada por aqui.

A força da obra começa pela sua premissa: como seria o mundo se, ao invés de ter caído nos EUA, Superman tivesse caído no território da União Soviética em plena Guerra Fria. Mark Millar então erige do zero a sua versão do homem de aço soviético, bem como todas as implicações a partir desse fato. Mas não fica só nisso, Millar também se preocupa em dar sua versão para diversos outros heróis e vilões DC a partir desse paradigma. Por trás desse plot, fica subentendido a centralidade que Superman exerce em todos os heróis da editora, como se todos gravitassem ao redor de sua influência. Isso reforça a fama do Azulão como o primeiro herói, uma vez que alterar suas origens acarreta mudanças profundas em todos os outros personagens da casa.

Vemos aqui não só o nascimento de um Superman muito mais político que o original, que se vê (ainda que a contragosto) no comando da nação. Assim vemos também o nascimento de um Batman soviético, idealizado para combater o totalitarismo do regime; de uma Mulher-Maravilha, inicialmente engajada no plano de pacificar o globo sob a batuta de Superman, mas que se transforma numa das maiores críticas do regime; e de um Lanterna Verde, comprometido com o plano de Lex Luthor em finalmente vencer a ameaça do herói de vermelho. Lex Luthor, aliás, é o grande contraponto do suposto heroísmo praticado pelo Homem de Aço. Ele aqui continua fazendo as vezes de vilão, mas seu comprometimento em derrubar o sonho megalomaníaco de controlar tudo e a todos consegue uma certa simpatia do leitor, que anseia pelos confrontos entre Lex e Kal-El.

O grande problema da obra, apesar das diversas boas sacadas que a permeiam do começo ao fim, é a falta de sutileza de Mark Millar no texto. Sua escrita é pesada e, de certa forma, espalhafatosa demais. Falta um refinamento em desenvolver os conceitos trazidos a baila e que os deixariam muito melhores. Lex, por exemplo, tem que a todo tempo ser um canalha completo, afinal ele é um vilão e precisa fazer maldades. Para demonstrar sua inteligência acima da média, Lex sempre fala que está jogando xadrez com 7 pessoas diferentes ao mesmo tempo e lê cinco livros numa manhã. Superman é um sujeito controlador, por isso Millar precisava deixar isso escancarado na cara de todos ao mostrar pessoas controladas mentalmente por um aparelho cravado no meio do crânio.

Vez ou outra, esse artifício passa até despercebido, mas ver isso sendo feito a todo momento me cansou um pouco. Pelo menos, Millar não exagerou nos clichês históricos sobre a Guerra Fria e retratou o lado soviético com justeza, sem cair na armadilha de glorificar o lado americano e esculachar o modelo soviético. É um tema até hoje espinhoso e tratá-lo sem cometer excessos exige certa habilidade.

Superman - Entre a Foice e o Martelo
Superman Red Son #1-3
**** 8,0
DC | agosto a outubro de 2003
Panini | junho de 2006
Roteiro: Mark Millar
Arte: Dave Johnson e Kilian Plunkett
Arte-final: Andrew C. Robinson e Walden Wong

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