Tem alguns quadrinhos que demoramos para ler por puro preconceito: algo que na capa que não agradou, a temática que não é muito de nosso gosto ou porque a equipe criativa não lhe é querida. Eu não sei bem a causa da minha resistência em ler Camelot 3000, mesmo após seguidas recomendações de amigos e da crítica. Hoje, posso dizer com convicção que não poderia estar mais errado em relação à qualidade da HQ. Aplicar as lendas arturianas num cenário futurístico se mostrou ser uma das melhores sacadas dos quadrinhos nos anos 80.
Camelot 3000, como sugere o título, mostra o renascimento do Rei Arthur no ano de 3000 em meio a uma invasão alienígena que afundava a Inglaterra no caos. Seguindo a profecia (segundo a qual Arthur voltaria no momento que o país mais precisasse dele), o Rei da Bretanha um a um arregimenta seus antigos companheiros, agora encarnados em contemporâneos, para que se fosse instituída, mais uma vez, a Camelot de outrora. Contudo, o passado determina o futuro, e antigos conflitos voltam a tona, como o romance entre Lancelot e Guinevere, e o ódio de Morgana Le Fay e Mordred.
Mas só o argumento de Mike W. Barr não seria suficiente para o sucesso da obra, a equipe criativa precisava de apoio editorial para criar livremente. Essa licença veio graças ao contexto de lançamento: a DC Comics buscava na época uma história em forma de maxissérie para ser lançada no então incipiente mercado direto (que se mantém até hoje), ignorando a então tradicional vendas em bancas de jornal. Como se tratava de uma obra pioneira, a DC caprichou no formato e no conteúdo. Tanto foi assim que a editora abandonou na HQ o castrador selo do Comic Code Authority, permitindo que Barr e Brian Bolland tocasse em temas polêmicos para a época.
Ao longo das doze edições que compões a série, Barr e Bolland costuram uma trama bastante coesa e vibrante, ainda que possa parecer levemente datada para os padrões de hoje. Contudo, isso pouco ou nada compromete a leitura, pois, como afirmei antes, a HQ é bastante liberal e toca em temas que na época eram simplesmente ignorados. O exemplo mais evidente e comentado por todos (inclusive pelo próprio Barr na introdução à obra) é o de Tristão ser um cavaleiro transexual, que não aceita ter encarnado num corpo de mulher. Essa contradição inclusive resulta numa cena de sexo lésbico, ainda que de teor bem leve.
Apesar de todas as qualidades da obra, nada, simplesmente nada, supera a arte de Brian Bolland, que faz na maxissérie, na minha opinião, o melhor trabalho artístico dentro de um título mainstream. É muito comum artistas serem bons na construção de cenários e nem tão bons retratando expressões faciais, ou vice-versa. Pois Bolland é um mestre em todos os aspectos. Seus enquadramentos são dinâmicos; suas poses, fluídas; as capas, uma mais bonita que a outra. Sem o trabalho do artista inglês, arrisco dizer, Camelot 3000 não teria a mesmo relevância que possui hoje.
Camelot 3000
Camelot 3000 #1-12
***** 9,5
DC | dezembro de 1982 a abril de 1985
Panini | setembro de 2010
Roteiro: Mike W. Barr
Arte: Brian Bolland
Arte-final: Bruce Patterson, Terry Austin e Dick Giordano
Cores: Tatjana Wood
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