sexta-feira, 30 de outubro de 2015

"Pinóquio" de Winshluss adapta sem restrições o conto clássico


Aproveitando-me de uma promoção e com quase três anos de atraso, pude finalmente ler a fenomenal obra Pinóquio, criada pelo talentoso artista francês Winshluss (pseudônimo de Vincent Paronnaud) e uma dos melhores quadrinhos dos últimos anos. Pra começar, a edição brasileira da Globo Livros está a altura do conteúdo: capa dura com papel offset 180 g/m² , formatão 21 x 29 cm e 192 páginas muito bem impressas. Esse apuro vem a calhar muito bem em razão do tipo de narrativa empregada na obra, composto muito mais por imagens sem diálogos, se apoiando quase unicamente na narrativa gráfica visual para se fazer entender.

O Pinóquio de Winshluss é uma adaptação bastante livre do livro clássico de Carlo Collodi de 1881. Ambos são obras bastante distantes da adaptação cinematográfica da Disney, que deu uma bela aliviada na história original, tirando diversos elementos adultos do enredo que eram essenciais para as lições de Collodi fossem passadas. Ocorre que Winshluss fez, talvez, a versão mais liberal do conto clássico, mudando diversos elementos originais, trazendo-os mais pra perto de nossa realidade.

Pinóquio não é um boneco de madeira por meio do qual Geppetto pretendia vender na feira. Aqui, o boneco é feito de metal e é uma arma letal de guerra, a qual seu criador pretendia vender para o exército e enriquecer. Outra alteração é que não existe o grilo falante (que, na versão da Disney, encarnava a consciência do boneco). Ao invés disso, Winshluss usa uma barata amoral e decadente, que se instala na cabela do menino-robô e acaba por ser responsável por boa parte dos suplícios por qual ele passa. Muito sugestivo, portanto, que o personagem que pretensamente faria o papel de consciência de Pinóquio, seja tão decadente quanto o mundo no qual está inserido.

A lista de adaptações é extensa e enumerá-las fugiria do propósito desta resenha, por isso basta afirmar que Winshluss apresenta uma versão bastante pessimista da realidade. Ao longo da obra, o autor aborda temas bastante díspares entre si, mas igualmente polêmicos, como religião, intolerância, meio-ambiente, racismo, estupro, suicídio, loucura, sexualidade etc. A trama é tão bem intrincada em seus detalhes e tão competentemente desenvolvida que toda a aventura de Pinóquio se passa sem quebra de continuidade, nem queda de qualidade. O final fica sem pontas soltas, passando a sensação de que nada ocorreu na obra por acaso ou gratuitamente.

Por fim, vale elogiar o uso de cores na obra. Esse trabalho ficou a cargo de três coloristas (créditos abaixo), que utilizaram de uma paleta extremamente e criativa, sabendo muito bem transparecer em cores a expressividade presente na arte. Arte que, a propósito, varia muito ao longo da obra, indo-se desde cartuns tétricos até aquarelas incríveis, extremamente trabalhadas, todas elas pertinentes com os objetivos propostos. Em Pinóquio, Winshluss demonstrou toda a sua versatilidade e virtuosismo, que garantiram presença indispensável como uma das melhores quadrinhos dos últimos tempos. Em tempo: Pinóquio ganhou o Fauve d'Or do Festival de Angoulême de melhor álbum em 2009.

Pinóquio
Pinocchio
***** 9,5
Les Requins Marteaux | janeiro de 2009
Globo Livros | agosto de 2012
Roteiro e arte: Winshluss
Cores: Frederic Boniaud, Thomas Bernard e Frederic Felder

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