sábado, 31 de janeiro de 2015

Tema de rara projeção nos quadrinhos, "Os Leões de Bagdá" tece reflexões sobre os conflitos no Oriente Médio


Taí um tema pouquíssimo explorado nos quadrinhos na atualidade: conflitos no Oriente Médio. As melhores obras que abordam esse tema, como as de autoria de Guy Delisle e Joe Sacco, são produções independentes, bem longe dos quadrinhos mainstream. Trata-se de um problema bastante delicado para o público americano, que é bastante sensível a críticas, não sendo incomum a confusão de antipatriotismo com meras críticas à política externa praticada. Além disso, há a delicada situações entre israelenses e palestinos, um vespeiro que poucos artistas estão dispostos a se enveredar. Tudo isso contribui para que esse assunto seja tão pouco abordado nos quadrinhos comerciais americanos.

Brian K. Vaughan e Niko Henrichon, no entanto, aceitaram o desafio e em 2006 lançaram Os Leões de Bagdá, que se passa durante o início da ofensiva americana sobre o Iraque em 2003, durante o governo Saddam Hussein, que era acusado de conservar armas de destruição em massa, o que se provou equivocado tempos depois. A obra conta a história real dos leões do zoológico de Bagdá, que se viram subitamente livres após o local ter sido completamente destruído pelas bombas lançadas pelos jatos americanos. Livres e desorientados, eles precisam aprender a viver num ambiente hostil que não compreendem.

Henrichon foi bastante preciso em retratar o clima de devastação que acompanha a guerra, sem cair na armadilha da opulência, ou seja, glamourizar a destruição e fazer um espetáculo em seu entorno. A sensação que passa é exatamente a de tristeza e aridez.

Toda a história funciona como uma parábola para o conflito e, surpreendentemente, Vaughan e Henrichon adotaram um ponto vista bastante crítico sobre a invasão norte-americana, embora tenham sido extremamente cautelosos em seu tom. A crítica é velada, até porque o contrário trairia a proposta de utilizar a fábula como recurso narrativo; além do mais, a DC vedaria qualquer abordagem mais polêmica. O quadro final, destacando a estátua do Leão da Babilônia intacta após o ataque, diz mais do que parece: simboliza o espírito de resistência do povo iraquiano, que não se deixará sucumbir perante a invasão ou qualquer outra ameaça, interna ou externa.

Os Leões de Bagdá é uma obra de leitura rápida, porém consistente. A questão se a liberdade é algo que deve ser conquistada ou se ela pode ser concedida pelos outros é algo que também permeia toda a obra. Ou de modo mais direto: não deveriam ter sido os próprios iraquianos que teriam que ter se livrado das amarras da ditadura de Saddam Hussein? Até que ponto a suposta liberdade alcançada pelos iraquianos com a queda do regime vai melhorar suas vidas? A obra não apresenta resposta, só convida a reflexão. Ainda é tempo para ela.

Os Leões de Bagdá
Pride of Baghdad
**** 8,0
Vertigo | setembro de 2006
Panini | maio de 2008
Roteiro: Brian K. Vaughan
Arte: Niko Henrichon

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